O bêbado da minha rua
Ufa! Só agora tive tempo para escrever este texto. Tanta coisa para fazer. Mas não se preocupe, querido leitor, sempre há tempo para quem gosta de escrever. Com lápis e papel nas mãos fiquei horas debruçada sobre a escrivaninha, buscando na mente um tema interessante para você ler. De repente, viajei ao passado e me agarrei nas recordações da minha infância. Fui encontrando rostos que nunca mais os vi, sorrisos que deixaram saudades, palavras que me faziam feliz. Nessa viagem ao túnel do tempo, caro leitor, encontrei a história de um homem, meu amigo, que marcou meus dias de menina.
Esse amigo era um homem daqueles que provocavam medo só de olhar para gente. Com seus quase dois metros de altura, um corpo espantosamente forte, uma expressão séria, sem deixar à mostra nem um pequeno sorriso. Ao cumprimentar as pessoas dava um “olá” com a mão, apenas isso. Quem não o conhecia podia pensar que era um homem bravo, mas não o era, ao contrário, resumia-se num amor de pessoa. Era um homem muito tímido. Nunca vestia bermuda. Estava sempre de calça comprida e camisa, acompanhado do seu chinelão de couro.
Seu Expedito, como era chamado por todos, bastava tomar umas doses a mais de uma boa cachaça para tornar-se o dono da rua, o valentão, o cantor, o prefeito, e por aí seguia. Por um tolo motivo inventava uma briga, puxava uma faca peixeira da cintura e apontava para o cabra metido à besta. Porém, se o cabra do outro lado batesse o pé, coitado de Seu Expedito! Mal conseguia correr e acabava e acabava caindo. Bum! Aquele homenzarrão ia ao chão! Bum! Que barulho! Parecia um trovão! Mas era Seu Expedito no chão! Imagine comigo, leitor, a queda de um grande coqueiro. Era assim a dele. Quando nós, moradores da rua, sabíamos que ele estava bebendo procurávamos não sair até ter a certeza de que ele já estava em casa. Isso porque se ele encontrasse um de nós passaria horas com os nossos ouvidos alugados contando aquelas histórias de bêbados.
Eu gostava quando ele cantava. Era engraçado. Ele não tinha nenhuma afinação. Sua voz era horrível! Grossa! Mas, as músicas eram belas! Tinha bom gosto. Sentado à calçada da minha casa pegava a faca peixeira e riscava de ponta a ponta dizendo: “Na casa da minha comadre ninguém mexe.” Sua comadre era a minha mãe. Lá para as tantas da madrugada, depois de ter cantado as músicas “Aline”, “Marina”, “...Se essa rua, se essa rua fosse minha...”, “Carinhoso” e a sua preferida “Garçom”, entre outras, começava seu discurso político e o cantor se transformava em prefeito dizendo que calçaria a nossa rua, reclamava dos buracos da rua, dos latidos dos cães, das lâmpadas queimadas da rua, enfim era um verdadeiro reclamão. Tudo isso em voz alta, para todos ouvirem. Ninguém conseguia dormir com o seu falatório. Quando o dia estava amanhecendo o bêbado, Seu Expedito, que passara a noite de plantão no palácio da prefeitura, numa casa de show, tudo vivido na sua imaginação alcoolizada, adormecia na calçada da minha casa estendendo aquele corpo de homenzarrão sobre o cimento. O engraçado de tudo isso, meu leitor, é que quando arrastado para casa pelas suas filhas e lá chegava, deitando-se, não queria ser acordado com barulho.
Hoje, o bêbado não existe mais. Agora, cansado e doente, Seu Expedito mudou-se da minha rua. Deixou de beber. Há muito não o vejo. Sinto saudades daquele que era a perturbação do meu sono e de repente, me vejo com insônia e só há silêncio na rua. Se ele estivesse aqui quem sabe não me esconderia dele ou até pudéssemos cantar algumas canções juntos. A minha rua não é mais a mesma, Seu Expedito.