_VOO INTERROMPIDO_

Sempre considerei os urubus aves feias e de hábitos repugnantes, embora reconhecesse sua utilidade como "lixeiros da Natureza". Porém, algo aconteceu recentemente que me fez alterar conceitos.

Moro em um prédio de quinze andares. Pois não é que um casal de urubus fez um ninho no topo do prédio e lá procriaram? Com as matas paulatinamente reduzidas, certamente eles migram para as cidades para sobreviver. Vejo-os frequentemente pelos céus a planar.

Aconteceu que um filhotinho, muito ousado, já fazia pelo menos uma semana, ficava a passear pelo gramado do jardim do prédio. Semana passada, surpreendi o pequenino no saguão do prédio, placidamente andando e sem medo de mim. Confesso que observei-o com espanto e ternura. Isto ocorreu várias vezes. Sem habilidade para grandes voos, ignoro como ele voltava ao ninho.

Faz dois dias, a fatalidade imposta pelo destino. Ao lançar-se lá do alto, o pobre animalzinho caiu justamente sobre a ponta da lança da cerca que contorna o prédio e ainda recebeu uma descarga da cerca elétrica. Trôpego, caído no chão, presenciei seus últimos estertores.

Cortou-me o coração ao vê-lo assim. Talvez sonhasse em planar alto pelos céus, vendo tudo de cima, prazerosamente ao sabor das correntes dos ventos, sem obstáculos à sua liberdade.

Decididamente, é curto e imprevisível o livro da vida, e ele preencheu nada além de poucas páginas.

Tal dolorosa imagem impregnou-se em minha mente, e fez-me refletir muito o quanto é efêmera e fugidia a existência...

________________ (fato real)

gajocosta
Enviado por gajocosta em 16/10/2019
Reeditado em 18/10/2019
Código do texto: T6771146
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