A promotora da castanha
Rosângela Trajano
Aquele seria seu primeiro emprego. A alegria contagiante de Alice não podia ser maior, nem terminara o colegial, e já estava empregada. Foi com surpresa que Olívia Palito, apelido recebido quando criança devido seu corpo magérrimo, ouviu a notícia de seu tio.
Promotora era nome chique, dizia a garotinha. Bastava não especificar de quê. Ora, bolas, se lhe perguntassem não haveria nenhum motivo para ficar com brio. Era só dizer que era promotora da castanha. Havia algo importante naquele emprego, uma porta para a liberdade dos sonhos de Alice. Apesar da pouca idade, uma jovem com dezesseis anos quer, poder ir ao cinema, tomar sorvete, passear no parque, sem depender tão-somente da mesada dos pais. Sem contar que a mesada nem sempre é garantida nesses tempos de crise econômico-financeira.
Os primeiros dias de trabalho foram um sucesso para Alice ou Olívia Palito, como você preferir chamá-la, caro leitor. Eu, particularmente, prefiro pronunciar Alice, me faz lembrar “Alice no país das maravilhas”, minha infância. Era tão simples para Alice atrair o cliente ao seu quiosque, fazê-lo provar suas castanhas, e convencê-lo de que a castanha do quiosque ao lado nem se aproximava do sabor da sua. Caso o cliente não quisesse conversa, Alice pegava um punhado de castanhas com as mãos, e saía atrás dele dizendo: - Ó, moço, come só um pouquinho da minha castanha, vai. – Foi assim que aquela menina com rostinho meigo, olhos escuros brilhantes e de um sorriso cativante, revolucionou o supermercado em que trabalhava. Ela não só promovia sua castanha, dava, vendia, trocava e comia. E como comia! Várias foram as dores de barriga sufocantes. Mas a delícia da castanha era irresistível!
Foi numa certa tarde que Alice tomou o maior susto de sua vida. Depois de ter, disfarçadamente, comido várias porções de castanhas ouviu das caixas de som espalhadas por todo o prédio, o seguinte chamado: - Atenção, promotora da castanha, favor comparecer à gerência. – Repetido foi, por três vezes, o mesmo chamado numa voz feminina.
No primeiro instante achou que fosse para sua colega do quiosque vizinho, mas quando voltou-se para ele percebeu que o expediente da jovem já tinha terminado. De repente bateu um pânico horrível. Olhou para uma das dezenas de aparelhos de televisão espalhados pelo supermercado, e só então lembrou-se do circuito interno de TV. Há três semanas trabalhando ali nem imaginou que pudesse ser vista naqueles aparelhos. Seus olhos encheram-se de lágrimas. - Perderia o emprego por causa de algumas castanhas que tinha provado – pensou consigo.
Alice pegou sua carteira profissional e dirigiu-se à gerência. Aparentemente parecia pronta para a demissão. Porém, no seu coração havia uma grande tristeza. - Que vergonha, Alice! O que diria seus pais, seus irmãos e o coitado do seu tio? - Não adiantava ficar se culpando e nem pensando em tolices, era tarde demais para arrependimentos.
Chegando à gerência não conteve as lágrimas ao entrar na sala e foi logo falando:
- Por favor, moço, eu juro que não como mais. Eu só estava provando pra ver se tava boa.
- Calma, Alice. Sobre o que está falando? – Perguntou o gerente calmamente sentado por trás de um birô de madeira. – Chamamos você aqui porque seu sobrinho estava perdido no supermercado, e quando o encontramos ele disse que estava a sua procura.
Alice olhou para o lado, e lá estava a causa de toda a sua tristeza e preocupação. Sentado em uma poltrona o menino parecia feliz por vê-la, mas não houve reciprocidade. Teve vontade de arrancar-lhe a orelha, dar-lhe umas boas palmadas ou fingir que não o conhecia. Aliviada pegou o garoto pelo braço e levou-o para fora da sala. O danado do moleque ainda teve a ousadia de pedir-lhe castanhas, quando ela ouviu seu arrependimento falar mais alto: “comer castanhas, nunca mais, ouviu bem, Dona Alice?”