Dona Joaquina

Rosângela Trajano

Quando eu nasci Dona Joaquina já morava aqui. Dona Joaquina era casada com Seu Chico. Eles não gostavam de bola. Mas a garotada adorava. Quando a bola caía no quintal do Seu Chico, pronto, podíamos dar adeus à bola. Ele cortava a coitadinha sem piedade, e a nossa brincadeira acabava. Mas a gente não tinha raiva dele, criança parece não ter raiva de ninguém por muito tempo.

Dona Joaquina costurou muitas roupas para mim. Ai, eu achava tão chata aquela coisa de ter que experimentar roupa, vestir, tirar, vestir de novo, medir, tirar. Ela fazia tudo com muito carinho. Os meus vestidos eram os mais bonitos da rua. Tudo isso por causa do capricho de Dona Joaquina. Ela sabia costurar muito bem. Fez roupas para muita gente. Mas as minhas, bem, as minhas eram especiais, tinham babado, lacinho, fitinha de seda e eram muitos coloridos os meus vestidos. Ah, Dona Joaquina! Ninguém vai mais fazer vestidos tão belos quanto os seus para mim. Eu sei disso. E é por isso que a saudade está batendo bem forte agora.

Seu Chico e Dona Joaquina ficaram velhinhos. Mas sempre estiveram juntos. Ele de cabelos brancos, ela também. Ele cansado, ela também. Mas nem assim Dona Joaquina deixou de vender bala, picolé e pipoca. Era só chegar na sua janelinha e chamar por ela ou por ele. Estavam lá, de prontidão, para nos atender com o carinho de sempre. Eu cresci comprando pipoca em Dona Joaquina. Completei trinta e três anos e ainda assim não deixei de comprar a minha pipoca aquele casal tão especial.

Mas Dona Joaquina partiu para a eternidade ontem. Deixou muitas saudades. Deixou Seu Chico sozinho. Deixou a gente sem poder gritar por ela naquela janelinha tão especial. Todo mundo lamentou a sua falta. Todo mundo chorou da sua forma. Até o homem do leite lamentou-se. Por que as pessoas têm que partir? Adeus, Dona Joaquina, até um dia quando Deus permitir.