Em busca da infância perdida
Hoje é dia das crianças, essa data cada vez mais longe das crianças, e eu estou aqui a lembrar uma criança triste que, para manter-se aquecida e alimentada, foi obrigada a trabalhar cedo, ainda na primeira década de vida, e que, por força das urgências do mundo, não viveu a infância. Mas não era nada grave, diziam-lhe os adultos, pois teria todo o tempo do mundo pela frente; tempo suficiente para viajar o mundo, casar, ter filhos, vencer na vida... Teria todo o tempo do mundo, inclusive para achar a infância perdida.
Essa criança triste cresceu, e hoje não é mais uma criança triste, e sim um adulto triste, felizmente. Estou imaginando o que vai pensar esse adulto triste quando descobrir que infância, a exemplo de mãe, só temos uma. Estou a pensar que pensará quando descobrir que o mundo não anda para trás. Quem lhe ressarcirá o tempo gasto nos treinos para aperfeiçoar-se nas atividades das crianças, como subida em árvores, arremesso de objetos, gritos de guerra, montagem e desmontagem de castelo de areia? Que dirá ao mundo quando descobrir que os adultos, além de excelentes exploradores, são exímios mentirosos?
Temo que, precocemente inclinado à melancolia do mundo de aço, prenda-se ainda mais à depressão. Receio que esse adulto melancólico, querendo encontrar a infância perdida, deixe de jogar na Mega-sena, fazer a barba, cortar o cabelo, ir ao dentista. Espero que não enlouqueça de vez. Mais um louco no mundo não é saudável. As industrias farmacêuticas já estão atarefadíssimas com as demandas atuais de ansiolíticos para os clientes atuais, de modo que mais um cliente na lista comprometerá o abastecimento ao Mercado.
Rogo a esse adulto melancólico que, antes de buscar o indizível, a sorte na loteria, a infância perdida, resigne-se à vida de adulto, essa vida cheia de compromissos com o Estado, com as instituições de crédito, com o pão de cada dia, o qual muitas vezes não é pão, mas feijão com farinha, que aliás é uma delícia. Que esse adulto melancólico não saia dos trilhos, pelos menos enquanto ainda for passageiro do mundo, desse mundo caduco, como diz Drummond. Que esse adulto melancólico tenha um feliz dia das crianças.