Mundo de plástico

São amarelas, verdes, vermelhas; moram geralmente em cestos em cima de mesas; ora aparentam ser pera, ora melancia, ora caju — e para a decepção quase geral, embora pareçam ser frutas de verdade, embora tenham a coloração, ainda que artificial, das frutas de verdade, são apenas simulacros, enfeites, imitação. Mas nos enganam muito bem essas frutas de plástico. Quem nunca passou a experiência de encontrar uma dessas frutas de plástico que enfeitam mesas domésticas, salas de consultórios médicos, janelas que dão para avenidas movimentadíssimas e acreditou estar diante de uma fruta legítima?

Eu mesmo já fui enganado décadas vezes, mas as ocasiões em que prestei maior lamento foram as de maior fome. Como é decepcionante, principalmente para os que têm fome, assim próximo ao meio dia ou à boca da noite, avistar sobre a mesa à frente fruta colorida e aparentemente saudável, aproximar-se dela e, ao pegá-la, perceber que é de plástico. É uma decepção para nosso apetite ser ludibriado de modo tão vil. É como achar mosca em sopa, encontrar pedra dentro do sapato, pôr moeda em bolso furado: inviabiliza tudo.

Nada contra os estilistas dos lares, o pessoal da etiqueta doméstica, os decoradores do mundo. Nada contra. Continuem cumprindo suas missões, que constam nos seus manuais de moda e paisagismo cultuados na Universidade e na televisão, mas saibam que não é saudável forrarmos nossas mesas de consultórios, de casa, de janelas com essas coloridas, simpáticas, bonitinhas frutas de plástico se não servem para forrar estomago de quem tem fome. Isso é um desserviço a nossas visitas e invasões sociais.

E digo mais: é péssimo para o meio ambiente. Plástico é poluidor e tem vida longa como o diabo. Segundo estudos do pessoal da área, para se decompor, chega facilmente a levar 450 anos. Isto mesmo: quatrocentos e cinquenta anos! Para completar o informe, tenho outra excelente notícia: segundo esses mesmos estudiosos, até 2050, 99% das aves marinhas terão ingerido plástico. Se as tendências atuais continuarem, conforme a estatística, até 2050 nossos oceanos terão mais plástico do que peixes. Acho que a galera do Mercado, que direciona o ritmo da vida moderna, está preparado para essa ocasião, em que faltará peixe no mercado. Talvez tenha um substituto de plástico para o pescado. Não duvido, mas me espanto.

O sujeito que inventou o plástico acho que não estava mal-intencionado, não. É inegável a utilidade do plástico para a vida moderna. Sem ele, não haveria copos de recipientes de plástico, e onde colocaríamos os alimentos fabricados nas fábricas da Nestlé? Sem ele, também não haveria copos de plástico, e onde despejaríamos a coca que cola tão bem em copos de plástico? O lixo que se acumula nas esquinas das ruas, nas calçadas e quintais de casas, onde pararia? No mar? Sim, mas antes, como reza a cartilha dos decoradores do mundo, deve ocupar uma sacola plástica, dessas que levam 450 anos para se aposentar. Portanto, não parem as máquinas; não há por que suspendermos essa ferramenta do progresso, que é o plástico; só penso que deve ser melhor utilizado e ocupar novas frentes, como a do ramo alimentício, por exemplo.

Seria uma boa usar plástico para fabricar alimentos, desses alimentos comestíveis. Já pensou como seria saborosa macarronada de plástico? E picolé caseiro Caicó, sabor plástico? Não seria uma delícia? E essas frutas de plástico, bonitinhas, vermelhinhas, simpáticas, que ornam nossas mesas domésticas, nossos consultórios médicos, nossas salas de apartamento, nossas janelas fechadas, se essas frutas de plástico fossem comestíveis, a fome do mundo e no mundo não diminuiria? Penso que devemos, para ontem, abandonarmos de vez o barro e viver o progresso de um mundo de plástico, desses que vivem mais que o diabo.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 12/10/2019
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