Com as tetas na bandeja

Só de olhar a expressão da criatura dava pra ver que ela estava xingando a vigésima geração de algum desgraçado que se atreveu a espantar uma ou outra possibilidade do seu caminho ou deu o seu endereço para alguns urubus.

Ela ia - como dizia um grupinho a mim próximo - com as tetas na bandeja para todo lado, na direção e ao gosto do freguês, como se eles tivessem ímã. Até que não era mal-humorada:

- Mata-rato é 1 real, vai?

Tinha também algumas balinhas, chicletes e muita disposição pr'aquela vida de ambulante, da Central a Campo Grande, de Belfort Roxo a Deodoro.

- Enquanto uns morre de bala ou perde os dente, minha filha, eu ganho é vida.

Foi o que ela me disse aos tapinhas no braço.

- Comprei um terreno em Bariê, criei os filho. Tão tudo uns homão feito.

Nessa hora, o vagão se tornava um palanque.

Os culotes e postas dos peitos caíam pelos lados do decote e das alças do vestido. Os pés, enfiados nos chinelos de dedos, pareciam maquiados de concreto. De certa forma, já tinham absorvido parte das calçadas e asfalto que pisaram. Seu combustível eram as contas? Talvez. Mas era uma mulher que transbordava e, ao mesmo tempo, murchava quando o seu oceano interno secava e abandonava a areia. A fome desencadeava fenômenos renováveis: a voz recuperava o tom, as pernas brigavam com o chão e ela se armava de mercadorias.

Seu nome não era Maria, como acontece em algumas canções. Era um bicho de sete cabeças, que a mãe criou lá no Norte. Em apenas um vocábulo inventado, pretendeu homenagear os seus. Então, surgiu Gilvanicreia. Mas era chamada de Gil.

Vontade mesmo, ela não tinha, mas precisa sempre ir, com as tetas na bandeja, contando e cantando todo dia.