Vendedora

Costumo andar de coletivo urbano, os ônibus. Gosto, fico próximo das pessoas, vejo quem não conheço. Me sinto bem.

Quase sempre sobe alguém, para vender alguma coisa. Dia desses uma jovem vendia balas de gengibre – boa para garganta, para rouquidão, pulmão, peito.

Deu bom dia aos presentes. Alguns responderam.

Disse estar desempregada (são milhões no Brasil, de cabo a rabo. Infelizmente).

E o governo nem aí. Amplo (e total) despreparo desses governantes malucos.

Fazer o quê? Aguentar 4 anos.

Falta o povo (dos casebres, das baixadas, sem teto, sem terra, das favelas, camelôs, ambulantes), ir pra rua bater panela, como faz a classe média alta.

A jovem vendia balas para arrecadar o que fosse possível. Sua companheira estava grávida. –---- É, amigos, vou ser papai, ela disse brincando. Preciso sustentar nosso filho.

Os passageiros ficaram em silêncio.

O veículo seguia. Eu comprei um saquinho, para ajudá-la. Me agradeceu. Fiquei curioso, gostaria de saber melhor dessa história, de ela engravidar uma mulher.

Bem, fiquei na minha, quieto.

Um real o valor do saquinho.

Diariamente muitos desempregados cumprem essa rotina, nos ônibus. A dura sobrevivência. Nem parece que vivemos num páis da oitiva economia do mundo.

País rico e muitos pobres - e miseráveis.

Creio que em outras grandes cidades existam situações parecidas.

A jovem despediu-se, desceu. Um cidadão, deficiente físico, brincando, disse ao cobrador (aqui na cidade é cobrador, em outros lugares é trocador): ----- Estamos perdendo para as mulheres.

Alguns riram.

O rapaz tinha um defeito no tórax. Mas era, sorridente, descontraído. Depois levantou-se. Na mão tinha papéis em forma de livro.

Se apesentou. Disse que aqueles papéis eram poesias. Um real era o preço. Para descontrair perguntou aos passageiros: –----- Qual a diferença entre a mulher casada e a viúva?

Ninguém respondeu.

------ Daqui a pouco dou a resposta, ele garantiu.

Fiquei com um exemplar das poesias. No momento não as tenho aqui – mas irei transcrevê-las aqui no RL brevemente.

Claro, dando ao autor o devido crédito.

Ao descer, o poeta popular, de rua, disse ao cobrador: ------ Vou preparar um cordel sobre a mulher que vai ser pai. Uma novidade.

O cobrador: ----- Prepara, me traz um, eu compro...

A resposta entre a casada e a viúva: a viúva sabe o marido está (no cemitério, morto). A casada não sabe do paradeiro dele, o marido.

Quanto à jovem, o marido da grávida, fiquei pensativo. embatucado.

------- Quem será o pai verdadeiro do bebê? Será se realmente é ela, a vendedora?

Acho que não.

Salatiel Hood
Enviado por Salatiel Hood em 10/10/2019
Reeditado em 15/10/2019
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