Ela descobriu o que quer
Ela sabe o que quer...
Uma mulher feita, vinda de muitas experiências amorosas desastrosas, pode até mal falar do amor. Mas, no fundo, ela sabe que já o encontrou dentro de si. Ela insiste em imaginar que o amor está fora. É compreensível esperar receber amor do "Outro" se considerarmos se tratar de sonho de infância. É desde menina que ela ouvia falar sobre o tal príncipe. Ela aprendeu a assimilar "o amar e ser amada" à figura do príncipe encantado. Ela cresceu, relacionou-se, frustrou-se, aprendeu. Percebeu a todo custo que a figura ilusória do homem perfeito não passou de estratégia de marketing dos fabricantes de brinquedos para venderem mais e mais bonecas "barbies" e bonecos "ken". Ela desiludiu. Em nome da sua dignidade, aprendeu a dissociar o papel social masculino dentro de uma relação amorosa do papel romantizado daquele que ela confiara os cuidados do seu coração. Não foi o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro que a Tereza deu a mão, que a salvou. Ninguém a livrou da queda. Ninguém impediu que, pela realidade dura dos relacionamentos, ela pudesse acordar. Nos instigam a amar, só não nos avisaram que, para amar, necessário seria engolir a cultura patriarcal, o machismo, a sobreposição dos papéis de gênero, a desvalorização da mulher enquanto indivíduo, a sexualização dos corpos femininos como moeda de troca sentimental, o falso afeto, a mercantilização do amor, a objetificação feminina a favor dos desejos masculinos, a falsa superioridade masculina, as violências psicológicas, físicas, sexuais, emocionais, financeiras, domésticas e etc. Quando criança ela só sabia do amor, ela só queria encontrá-lo. Uma mulher aprende, aos poucos e copiosamente, que o amor não é um problema de quem o sente, mas sim, é o problema de quem o usa como fórmula mágica para resolver todos os outros problemas das relações afetivas.
Uma mulher amadurece sendo ferida, aprendendo a identificar uma chance de amar através do filtro da desilusão. Quanto mais experiências acumula, mais rápido reconhece que "aquele não", "talvez seja esse", "ainda não é quem eu procurava". Uma mulher busca seu par amoroso baseada na crença de que uma mulher precisa de um par amoroso. Nisso, ela termina num círculo vicioso sem entender que a razão da sua procura é própria procura. Ela nunca vai achar. Ela vai desanimar, definhar em lágrimas, se sentir culpada e buscar respostas nos seus comportamentos. Ela não faz ideia do que se passa no grupo alvo do seu querer. Ela não compreende o "porquê" eles não são sensíveis como ela. Não compreende como eles são tão egoístas e desleais. Ela não entende que o tratamento de princesa que ela tanto busca, só encontrará no salão de beleza com direito à lavagem de cabelo e unhas feitas, custeados pelo seu bolso, é claro.
Quando, enfim, ela parar de procurar, quem sabe talvez possa encontrar um que a faça se sentir amada, única e especial. Um que não sinta a necessidade de se autoafirmar perante os outros machos, um que tenha firmeza o bastante para assumir à comunidade masculina de que sim, ele está "preso" e não há problemas nisso. Um que não precise dos inúmeros corpos femininos para construir sua masculinidade. Um que não faça da aceitabilidade social seu baluarte. Um que não precise afirmar que "tô pegando essa", "saí com aquela", "essa aqui é a outra" para outro homem mesmo estando comprometido. Um que não tenha medo de ser leal consigo próprio e fiel à pessoa que ama. Um que não se ridicularize por amar. Um que não seja refém do machismo enraizado e arrotado como "é cultural, não há como me libertar". Um que não more em castelos de fragilidade masculina disfarçada de "mas eu sou homem". Um que busque refúgio em um colo de quem também busca fugir do castelo construído na infância. Um que assuma para si, e para o mundo, que o amor verdadeiro está longe de ser o ideal masculino. Mas que, ainda assim, deseje construir o amor verdadeiro por ter encontrado ela.
Maísa C. Lobo
10:27 10/10/2019