Será que eu sou muito intolerante?

2005 ou 2006. Não me lembro exatamente. Só sei que todo sábado, assistia Tal mãe, Tal filha [Gilmore Girls], no sbt. Adorava a historinha açucarada, de uma mãe jovem e tagarela (na verdade, já enjoativa no terceiro capítulo) e sua filha que quer estudar em Harvard. Tenho boas lembranças dessa série.

Mas... algo tinha que dar errado, ou nem tanto. Não comigo. Eu tô ok..

Me refiro à série.

Quando construímos pensamento crítico, se transforma num radar preciso, sempre apontando para irracionalidades, de excesso ou falta de bom senso, onde quer que depositemos nosso breve olhar.

Tá. Voltei a assistir essa série, na sua primeira temporada. E, com pensamento crítico ligado, comecei a perceber os seus muitos equívocos. Vamos a eles...

A mãe é classe média, emocionalmente distante dos pais, granfinos, esnobes.. chatos, né? Mas, que classe média é essa, que tem casa grande, quarto cheio de coisa?? Aqui, no Brasil, essa abundância a gente vê dentro de condomínio fechado, de classe "alta". Chega a ser revoltante o padrão de vida luxuoso que o americano médio ainda tem. Sim, as coisas tão ficando complicadas por lá, mas até 2005, eles ainda estavam muito bem, na maré alta do boom econômico dos anos 90.

Aí, mais problemas...

Personagens caricatos, sabe?

Meno as duas, que são lindas, inteligentes, perfeitas, espirituosíssimas...

A amiga gorda, simpática e atrapalhada da mãe. Eterna coadjuvante.

A melhor amiga da filha, coreana da Coreia do sul.

Vizinhos "excêntricos" porque tratam sua gatinha como "se fosse da família" (bem, e é)

Uma professora latina, de dança, mais idosa e.. libidinosa.

Um homem negro, francês e.. rude..

Empregadas sendo tratadas de maneira docemente desprezível, começando pela cena do jantar, imposto pela mãe da "Lorelei Gilmore" às duas protagonistas [chatas], e o dialogo em que a ricaça explica o porquê de ter despedido umas cinco empregadas pelos motivos mais tolos possíveis. Em países com (ainda) leis trabalhistas muito mais decentes do que os EU, a "respeitosa" senhora já teria sido enquadrada pela lei.

No terceiro ou quarto episódio, a gatinha dos vizinhos morre.

Resultado: deboche, desprezo e até exagero, com o velório [humano] da bichana, como se todo reconhecedor de carinho dos bichinhos fosse "doidinho da cabeça". Como se a perda de um ser querido não fosse digna de luto...

Pra cima de moi não, violão!!! Muito decepcionante!!!

Passei anos ovacionando essa série. Desse tipo de série, bem de mulherzinha, calminha, mas, de certo modo, inteligente ou menos frívolo que um Sex and the city.. [pra ser sincero, nunca vi essa aí, e portanto, sendo preconceituoso]

Aí, veio esse combo de problemas e a cereja do bolo é o profundo desprezo pela morte de um ser vivo querido, na tentativa de ser engraçado... um dos episódios mais macabros e insensíveis que já vi de série enlatada. Uma cena asquerosa de Oz [contendo assassinato frio, sexo oral e homossexualidade] logo nos primeiros capítulos, é a pior de todas pra mim.

Passou batido ou, na época, meu pensamento crítico ainda estava quebrando a casca do ovo. Que este seriado representa ânsias, desejos, códigos morais e estilos de personalidade de duas mulheres brancas, americanas e "liberais", segundo o jargão de lá.

Do tipo que acredita em capitalismo humanizado, o pseudo-humanismo gourmet de gente doce e dissimulada..

A série mais parece o olhar e de reprovação das duas em relação aos outros, sempre o desprezo camuflado com diálogos rápidos, espertos e inverossímeis. Como se fossem duas juízas da perfeição, que com olhares e sorrisos amarelamente sutis, decidem o certo e o errado e claro, nós, em suas perspectivas, sendo forçados [ou não] a concordar [com as duas frívolas, superficialmente racionais]...

Intolerância ou apenas bom senso sendo aplicado e desconstruindo um produto ''americano'' com, talvez, segundas, terceiras intenções??