Encenação

Quando o muro vier em minha direção, não quero uma coroa de flores, deixem-me no chão. Não quero uma gaveta, tampouco, uma carneira. Vou logo avisando, nada de ostentação. Não gastem o que não tem, pois tudo agora é ilusão. Não adianta gritar, chorar, berrar ou desmaiar, tudo será em vão.

O meu corpo não precisa de um belo vestido, basta um camisolão; ele estará frio e enrijecido, não carece produção. Os mortos não são vaidosos, também não têm visão ou audição; não impressione os convidados com um caixão caro. Não quero uma placa de cimento, com frase pronta comprada à prestação.

Nenhum cemitério é paraíso, nem jardim florido, nada lá é bonito, não vale o investimento. Na hora do sepultamento, não ouvirei os lamentos e nem saberei se é fingimento, pois o meu tempo acabou. De uma coisa, eu tenho certeza, meu espírito descansou. A dor é para quem fica, não adianta as intrigas, as brigas e o rancor.

Para alguns, serei a saudade; outros, um soluço de dor; e o que importa nessas horas é o legado que você deixou. Se plantou o amor, as sementes irão germinar, crescer e florescer. Através dele, a sua memória irá permanecer. Mas nem todos aprenderam a amar, nem liberar perdão, preferem viver como espinhos, machucando para sentir o prazer de ferir quem atravessar seu caminho.

Cada um doa aquilo que acumulou, juntar cacos de vidros é um perigo, não vale o risco. Não espere eu partir para demonstrar amor, nem ter pena de mim, no leito de dor. Enquanto eu estiver aqui, os meus olhos irão te procurar, e meu coração estará em paz, quando a minha mão afagar. Depois disso, tudo o que fizer, será ritual de consciência.

Jaciara Dias
Enviado por Jaciara Dias em 08/10/2019
Reeditado em 22/07/2021
Código do texto: T6763954
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