As meninas do Sol Nascente

As meninas do Sol Nascente

Corria o ano de 1972 quando Kyoko, uma lindíssima descendente de um pai japonês tradicionalista com uma mãe portuguesa, surgiu no meu horizonte. Nessa época eu trabalha numa empresa de São Paulo no Alto da Lapa. Nesse emprego, no qual eu, aos vinte e um anos eu já tomava conta de toda a movimentação operacional, cuidando desde o recebimento e expedição de mercadorias, até a venda e preparação e produção das encomendas, o horário de trabalho para mim era supercarreegado: entrava antes das seis da manhã e normalmente só saia quando o último veículo de entrega chegava.

Voltemos a falar de Kyoko, em verdade Elza Kyoko. Assim que os meus olhos cruzaram com os dela, fiquei magnetizado por aquele par de olhos oblíquos, fazendo um espetacular dueto com uma cabeleira negra de tirar o fôlego. Eu não fazia a mínima ideia, até então, do que fosse uma gueixa; mas, provar do néctar dos lábios de Kyoko, passear de mãos dadas a ouvir a sua voz acariciante me contando sobre sua vida e a história dos seus familiares, me encantava tanto quanto um amante dessas damas treinadas para o amor.

Como eu só dispunha do domingo como dia de folga, mesmo assim só depois das onze horas da manhã, aproveitava o resto dia para sair, espairecer um pouco. Num desses dias, fui até a casa dos pais de Irani, com os quais eu mantinha um vínculo de amizade. Assim que cheguei na casa deles, Irani me apresenta aquela japonezinha parecida saída diretamente de um daqueles filmes de Kurosawa. Creio que na cabeça de Irani isso soava como uma compensação para o nosso infrutífero namoro...

(...)

Kyoko e eu começamos um daqueles namoros que todo jovem carrega bem guardado no seu baú de recordações. Do mesmo modo que eu, ela também trabalhava numa fábrica perto de sua casa, no bairro de Vila Alpina, bem perto de Sao Caetano do Sul. Para estar mais tempo com ela, eu pegava um ônibus da CMTC, a companhia de transporte da prefeitura, é atravessava a cidade de São Paulo desde o Alto da Lapa até chegar à Vila Alpina, por volta de vinte e duas horas, horário em que ela encerrava o seu trabalho. Como prêmio pelo sacrifício do deslocamento, Kyoko me enchia de beijos e me cobria de carinho, como jamais outra namorada até então fizera.

Um domingo eu a levei para conhecer meus parentes de Mauá, tio Jaime e sua mulher, tia Nice, que eu simplesmente venerava. Sucesso total! Kyoko encantou a todos com sua doçura e sua beleza exótica, além das alegres histórias que contava sobre os diferentes costumes das famílias japonesas.

Mauá possui uma pracinha adorável, um daqueles recantos de lazer em que os jovens, na época, praticavam o footing, com as meninas andando em um sentido do caminho florido e os rapazes no lado oposto, para que assim se vissem frente a frente e fizessem as suas escolhas. Foi nessa pracinha namoradeira que a minha gueixa e eu tiramos uma daquelas fotos que ficavam enclausurada dentro de pequeno invólucro de plástico, com um visor, como se fosse um mini monóculo.

E foi justamente nessa pequena prisão que o pai de Kyoko determinou que nosso amor ficaria confinado, pois sua filha teria ainda alguns anos a cumprir com seu papel de arrimo da casa, até que seu irmão mais novo pudesse assumir esse ônus.

(...)

A minha juventude logo cicatrizou os ferimentos da separação de Kyoko, no que foi eficientemente auxiliada pelo ritmo insano do meu trabalho no frigorico, que ia de domingo a domingo. No meu trabalho, atender o telefone era uma de minhas atribuições, é nesses atendimentos anotava os pedidos da clientela, fazia as compras do frigorífico, e outras rotinas normais do funcionamento de uma empresa de porte médio e com mais de dez filiais espalhadas pelo estado de São Paulo.

Depois de alguns namoros fortuitos me deixei cair de amores por Rosa Mityko, uma balconista de uma granja da Avenida Angelica, no centro da capital paulista. Ficávamos longos minutos ao telefone, bem mais do que seria recomendável para os interesses da empresa e para o desempenho do meu próprio trabalho. Na disputa disputa pelo coração de Mityko, eu sofria a desigual concorrência de um outro nissei, o Luiz Yorymitsu, um dos motoristas do frigorico. Desigual ao extremo porque enquanto eu só dispunha de metade do dia de domingo para eventualmente poder sair com ela, o danado, sempre que podia, dava um jeito de passar na granja e adiantar as gestões para o seu lado. Como se isso fosse pouco, o salafrário ainda vinha me por a par do seu grande interesse pela nissei que eu tanto almejava.

O ponto alto de minha aproximação com Mitiko foi conseguir jantar com ela numa elegante pizzaria da Avenida Santo Amaro, num domingo a noite. Ali, com sua voz bonita, ela me falou de seus planos de vida, que queria concluir os estudos na USP, e que namorar ainda não era a sua prioridade.

Tomamos um bom vinho tinto, saboreamos um excelente jantar, e ali, com o Secos e Molhados de fundo musical, sacramentamos o compromisso de sermos grandes amigos.

(...)

Foi também através do telefone da empresa que eu conheci Lúcia Tomyko. Tão pequenininha que mais parecia uma criança do que propriamente uma garota de dezenove anos de idade. Nascida numa cidade do interior paulista, Tomyko veio morar em São Paulo para trabalhar com uma família de japoneses que moravam no Alto de Pinheiros, para tomar conta das duas filhas do casal. Em verdade, ela me parecia mais uma crianca dentro daquela casa enorme, cercada de um lindo e florido jardim.

Como a casa em que ela trabalhava ficava bem perto do frigorífico eu tinha muito mais facilidade de ficar com ela, mesmo nos dias de semana durante a noite, quando os seus patrões iam visitar uma ou outra família de suas relações.

Ouvia suas histórias, de como os seus pais vieram para o Brasil, o trabalho na agricultura, eventos do cotidiano de uma família interiorana.

Havia todo um sistema de códigos estabelecidos para os nossos encontros. Ela previamente me avisava que os patrões não estariam em casa, é eu seguia até lá, ficava próximo à janela de seu quarto até que ela aparecesse e visse abrir o portão para que entrasse na casa. Esse sistema funcionou bem até que um dia, inesperadamente, um primo apareceu na casa,deixando Tomyko apavorada, pois ninguém deveria saber da minha presença ali.

Foi um deus-nos-acuda. Tomyko a conduzir o primo casa a dentro, eu me encolhendo num sofá até que o primo estivesse distante o suficiente para que eu pudesse sair sem ser visto, e ainda com a agravante de passar pelos dois cachorros da casa sem que os mesmos fizessem barulho.

Conseguir sair da casa são e salvo, no entanto, esse não foi um final muito adequado para o meu romance com a minha pequena Tomyko...

(...)

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 07/10/2019
Código do texto: T6763768
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.