Mulheres em conflito

Hoje, 06/10/19, como divulgado nos rádios e na tevê, é dia de eleições para o Conselho Tutelar em todos os municípios do país. Eu, embora seja uma eleição cujo voto é facultativo, pretendia votar, e logo cedo: não apenas porque o sol é mais compreensivo pela manhã, mas para aproveitar o resto do domingo para não fazer nada. Assim, depois de exercer o voto, a pretensão era a de estirar uma rede na área do quintal de tio, balançar próximo às nuvens, quem sabe bocejos, e, se os rádios e as serestas dos vizinhos permitissem, tiraria até cochilos, assim no plural. Mas isso não vai ser possível, e a ''culpa'' não é do sol desta manhã, o qual, percebe-se, está muito consciencioso hoje.

Aliás, não há culpados pelo destino, não é verdade? Se coincidiu de, fortuitamente, aquelas cidadãs, uma de aparentes vinte anos e a outra de uns trinta, nesta manhã de domingo e em via pública, decidirem resolver suas desavenças de ordem amorosa violentamente aos empurrões e arranhões e, por coincidência, eu, na condição de pedestre desavisado do encontro, ser convidado pela mais jovem a intervir na disputa e acudi-la: não há por que atribuir ao sol o cancelamento dos balanços e dos supostos cochilos à rede.

A gente que tem por hábito andar a pé pelas ruas nuas ou vestidas das cidades corre o risco de, por vezes, ser chamado a exercer papel de conciliador, de orientador espacial, de astrólogo. Por isso, eu compreendi a missão a que me impôs o momento: a de conciliador. Mas acontece que eu não levo jeito para a coisa. Nem eu nem um outro passante que, azaradamente, compartilhava conosco da mesma via, e que eu lhe pedi auxílio para acalmar as moças em conflito. Eu me dispus, sem sucesso, a tentar trazer a mais velha, se é que se pode referir-se assim a alguém de trinta anos, à manhã de domingo; ele, igualmente malsucedido na missão de conciliador, cuidou da mais nova, se é que se pode chamar de novo, neste mundo de tanta sabedoria e informação, alguém de uns vinte anos.

Afinal, ante as tentativas frustradas de fazê-las civilizadamente entende-se, concordamos em chamar a polícia, mas a mais velha discordou. Disse não ser preciso, que tudo aquilo era só um mal-entendido entre elas e que ficariam bem sem nossa intervenção e, principalmente, sem a da polícia. De minha parte concordei com as ponderações da mais velha, porém, preocupado com os salientes arranhões distribuídos pela face e braços da mais nova, sugeri o SAMU para cuidar das escoriações. Igualmente houve recusa: "É só arranhões..." disse-me a mais jovem, entre um olhar e outro para a adversária. Ficamos, o passante e eu, meio preocupados com uma reincidência braçal entre as duas; no entanto, decidimos deixá-las a decidir um termo para o encontro e esclarecer suas desavenças amorosas.

Afinal, como é difícil apartar brigas, sejam elas entre amigos, desconhecidos, vizinhos e, principalmente, entre mulheres. Porque as mulheres têm um modo de brigar só delas. Penso que deveria haver um manual acerca do assunto, tipo esses de culinária. Mas creio que o resultado não daria bom, porque é uma arte muito complicada essa de apartar briga, mais do que a de fazer estrogonofe, lasanha e outros pratos massas. Talvez a maneira mais eficiente de apartar brigas seja comprando um fone de ouvido para os participantes do evento. Assim, quando diante de conflito, os gladiadores colocariam seus fones nos ouvidos e fingiriam-se de mudos. Mas, para que essa ação surtisse efeito, deveríamos, antes , substituir os fones de ouvido atuais, os quais estão uma lástima. Ainda assim, acredito que o Mercado reprovaria esse método, pois como ficariam as instituições bélicas, as farmácias, as autoridades policiais: quem arcaria com os prejuízos financeiros de um mundo pacífico?

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 06/10/2019
Reeditado em 06/10/2019
Código do texto: T6762499
Classificação de conteúdo: seguro