SERIA UM ANJO ?...
(Relatos do cotidiano)
Morávamos,meus pais e eu,em companhia de minha avó paterna.Era uma daquelas casas antigas, com sótão, cozinha de chão, varandas e alguns anexos, os "puxadinhos",êstes sem muita utilidade e que só faziam aumentar em tamanho o desengonçado casarão de madeira.
Chovia naquela tarde.Era uma chuva calma de fins de verão que ia aos poucos intercalando-se com alguns lampejos de sol."Sol e chuva!...Casamento de viúva",como costumava-se dizer.Sobre um banco,utilizado para conseguir atingir a altura da soleira da janela,eu espiava a paisagem.O riacho havia transbordado e engolia aos poucos parte da cerca do quintal.A estradinha de terra vermelha,lamaçenta e deserta,ia abrindo caminho entre os pinheiros.
Assava-se o pão na casa do forno,que ficava à uma distância razoável do local onde eu me encontrava.
Olhar perdido na tarde molhada, cabeça procriando alguns sonhos de criança...
Subitamente, como que brotando do riacho, surge um menino.Traz as calças arregaçadas à altura dos joelhos, presas por um suspensório; a camisa , de xadrez miudo num tom azulado e um chapéu de palha de abas largas.
É franzino e tem pele alva.Vem correndo,resvala na lama do terreiro e adentra à casa do forno. Com uma das mãos libera o cabo de vassoura que prende a tampa da fornalha segurando-a com a outra mão.
Inclina-se, observa os pães, recoloca a tampa no lugar de origem e numa desabalada carreira desaparece por entre o parreiral e o feno alto.
Ponho-me a chamar-lhe com insistência:
Olá menino !...Quem é você?...Volte aqui!...
Vamos brincar,volta menino!...
Curioso saio à sua procura...
Agora chove torrencialmente e isso não me incomoda.
Corro na chuva !...Chamo por êle !...Procuro-lhe por todos os lugares possíveis. Em meio ao capim, atrás de touceiras e troncos do arvoredo,na casa do forno...Tudo em vão, ele simplesmente desaparecera.
Tenho uma crise de choro, retorno à casa desolado, triste...Sinto-me rejeitado, mais sòzinho que nunca.Relato o que vi e ninguém acredita em mim.
À noite tenho febre.No dia seguinte,já recuperado,ouço minha avó falando baixinho com mamãe:
_Mande benzer êste guri...Êle anda vendo coisas..."Cruz credo,chega a me arrepiar".
Ao que minha mãe acrescenta:
_Sem contar que já o peguei falando sòzinho!...
_Chiiii...Então o caso é sério,complementa vovó...
Correu o relógio do tempo,e como correu!...Agora,na fase adulta ,passei a ter sonhos que se repetem.Idênticos,por períodos bem alternados:
Aparece-me um menino. É o mesmo que avistei quando em criança. Sorri pra mim e poe-se a correr. Agora lhe persigo.Êle é veloz e não consigo alcança-lo, porém, não o deixo fugir de meu campo de visão.vagamos em correria por campos imensos,saltamos cercas aramadas,cruzamos porteiras e entramos em um capão de mato.Aí,então,êle desaparece.Eu, no entanto, continuo a procura-lo.Não mais o encontro; deparo-me de repente com um lago que é um misto de beleza e mistério.Um lago de águas calmas ainda que um tanto barrentas.Ao redor,escombros,caliça...
Intactas, mas bem envelhecidas, restam algumas colunas que lembram cenários romanos antigos...Aves que não consigo identificar (algo parecido com pavões ou perus) desfilam garbosas em torno do lago.Por entre as colunas brotam arbustos repletos de frutos e a passarada dêles se alimenta,na maior algazarra.Uma vez mais,avisto o menino.Agora ,na outra margem do lago.As largas abas dum chapéu de palha impedem-me a visualização detalhada da sua fisionomia.Percebo tão somente o sorriso largo,a mãozinha franzina a acenar-me e êle simplesmente desaparece,evapora...
Desperto nas manhãs que sucedem aos sonhos, em êxtase!
Como se estivesse em retorno de um longo passeio ou de uma viagem por lugares encantados que reconfortaram-me o espírito.
Não tenho explicação para tal.Deixei de comentar a respeito, até porque das pessoas à quem relatei o episódio,recebi como resposta tão somente uma cara de espanto, um sorrizinho disfarçado de quem deve pensar: "Êle é doido!"
Na verdade tudo não passa de algo muito pessoal,coisa íntima,sem nenhum interesse a quem quer que seja.Talvez êste relato agora ocorra pela falta que me faz êsse sonho recorrrente.A sensação de paz que proporciona-me é tudo do que preciso nestes dias conturbados.
Assim, nada resta-me além de uma súplica:
*****************************************************
Que venha a mim aquele menino, quiçá ! Seja êle um anjo.
Que leve-me pelos campos umedecidos das chuvas de nossas infâncias e revele-me as águas calmas por onde eu deva navegar.
Que abra-me os livros em páginas que eu fechei.Aquelas que falam de revoadas, do sabor das frutas e do cheiro do pão assado em fornalha de barro, num dia de chuva e sol, de arco iris e gosto de uvas.Sim ! Porque num dia distante êle sumiu escondido pelo feno alto, entre os parreirais.
Que ensine-me das uvas a fazer o vinho e, então, pão e vinho, milagre supremo, revelem-se em sutis oferendas, posto que é anjo e conhece à Deus.
Que destranque as portas dêste coração e embale o berço onde dorme ainda aquela criança que um dia fui.
E aí, quem sabe, junte-me à êste ser alado e pegue carona num céu de poucas núvens, rumo ao espaço aberto muito abaixo dos traços fumaçentos das turbinas e bem acima do trepidar das pipas, porque acredito seja lá o lugar por onde trilham os sêres iluminados.
Joel Gomes Teixeira
(Relatos do cotidiano)
Morávamos,meus pais e eu,em companhia de minha avó paterna.Era uma daquelas casas antigas, com sótão, cozinha de chão, varandas e alguns anexos, os "puxadinhos",êstes sem muita utilidade e que só faziam aumentar em tamanho o desengonçado casarão de madeira.
Chovia naquela tarde.Era uma chuva calma de fins de verão que ia aos poucos intercalando-se com alguns lampejos de sol."Sol e chuva!...Casamento de viúva",como costumava-se dizer.Sobre um banco,utilizado para conseguir atingir a altura da soleira da janela,eu espiava a paisagem.O riacho havia transbordado e engolia aos poucos parte da cerca do quintal.A estradinha de terra vermelha,lamaçenta e deserta,ia abrindo caminho entre os pinheiros.
Assava-se o pão na casa do forno,que ficava à uma distância razoável do local onde eu me encontrava.
Olhar perdido na tarde molhada, cabeça procriando alguns sonhos de criança...
Subitamente, como que brotando do riacho, surge um menino.Traz as calças arregaçadas à altura dos joelhos, presas por um suspensório; a camisa , de xadrez miudo num tom azulado e um chapéu de palha de abas largas.
É franzino e tem pele alva.Vem correndo,resvala na lama do terreiro e adentra à casa do forno. Com uma das mãos libera o cabo de vassoura que prende a tampa da fornalha segurando-a com a outra mão.
Inclina-se, observa os pães, recoloca a tampa no lugar de origem e numa desabalada carreira desaparece por entre o parreiral e o feno alto.
Ponho-me a chamar-lhe com insistência:
Olá menino !...Quem é você?...Volte aqui!...
Vamos brincar,volta menino!...
Curioso saio à sua procura...
Agora chove torrencialmente e isso não me incomoda.
Corro na chuva !...Chamo por êle !...Procuro-lhe por todos os lugares possíveis. Em meio ao capim, atrás de touceiras e troncos do arvoredo,na casa do forno...Tudo em vão, ele simplesmente desaparecera.
Tenho uma crise de choro, retorno à casa desolado, triste...Sinto-me rejeitado, mais sòzinho que nunca.Relato o que vi e ninguém acredita em mim.
À noite tenho febre.No dia seguinte,já recuperado,ouço minha avó falando baixinho com mamãe:
_Mande benzer êste guri...Êle anda vendo coisas..."Cruz credo,chega a me arrepiar".
Ao que minha mãe acrescenta:
_Sem contar que já o peguei falando sòzinho!...
_Chiiii...Então o caso é sério,complementa vovó...
Correu o relógio do tempo,e como correu!...Agora,na fase adulta ,passei a ter sonhos que se repetem.Idênticos,por períodos bem alternados:
Aparece-me um menino. É o mesmo que avistei quando em criança. Sorri pra mim e poe-se a correr. Agora lhe persigo.Êle é veloz e não consigo alcança-lo, porém, não o deixo fugir de meu campo de visão.vagamos em correria por campos imensos,saltamos cercas aramadas,cruzamos porteiras e entramos em um capão de mato.Aí,então,êle desaparece.Eu, no entanto, continuo a procura-lo.Não mais o encontro; deparo-me de repente com um lago que é um misto de beleza e mistério.Um lago de águas calmas ainda que um tanto barrentas.Ao redor,escombros,caliça...
Intactas, mas bem envelhecidas, restam algumas colunas que lembram cenários romanos antigos...Aves que não consigo identificar (algo parecido com pavões ou perus) desfilam garbosas em torno do lago.Por entre as colunas brotam arbustos repletos de frutos e a passarada dêles se alimenta,na maior algazarra.Uma vez mais,avisto o menino.Agora ,na outra margem do lago.As largas abas dum chapéu de palha impedem-me a visualização detalhada da sua fisionomia.Percebo tão somente o sorriso largo,a mãozinha franzina a acenar-me e êle simplesmente desaparece,evapora...
Desperto nas manhãs que sucedem aos sonhos, em êxtase!
Como se estivesse em retorno de um longo passeio ou de uma viagem por lugares encantados que reconfortaram-me o espírito.
Não tenho explicação para tal.Deixei de comentar a respeito, até porque das pessoas à quem relatei o episódio,recebi como resposta tão somente uma cara de espanto, um sorrizinho disfarçado de quem deve pensar: "Êle é doido!"
Na verdade tudo não passa de algo muito pessoal,coisa íntima,sem nenhum interesse a quem quer que seja.Talvez êste relato agora ocorra pela falta que me faz êsse sonho recorrrente.A sensação de paz que proporciona-me é tudo do que preciso nestes dias conturbados.
Assim, nada resta-me além de uma súplica:
*****************************************************
Que venha a mim aquele menino, quiçá ! Seja êle um anjo.
Que leve-me pelos campos umedecidos das chuvas de nossas infâncias e revele-me as águas calmas por onde eu deva navegar.
Que abra-me os livros em páginas que eu fechei.Aquelas que falam de revoadas, do sabor das frutas e do cheiro do pão assado em fornalha de barro, num dia de chuva e sol, de arco iris e gosto de uvas.Sim ! Porque num dia distante êle sumiu escondido pelo feno alto, entre os parreirais.
Que ensine-me das uvas a fazer o vinho e, então, pão e vinho, milagre supremo, revelem-se em sutis oferendas, posto que é anjo e conhece à Deus.
Que destranque as portas dêste coração e embale o berço onde dorme ainda aquela criança que um dia fui.
E aí, quem sabe, junte-me à êste ser alado e pegue carona num céu de poucas núvens, rumo ao espaço aberto muito abaixo dos traços fumaçentos das turbinas e bem acima do trepidar das pipas, porque acredito seja lá o lugar por onde trilham os sêres iluminados.
Joel Gomes Teixeira