Tempo e tédio
Uma manhã de sábado, uma árvore folheada de sombras cobrindo um paisano montado em tamborete... e eis que tudo se fez tédio. A Militar passa, ver esse paisano em cima de tamborete e coberto de sombras, a contar os dedos dos pés; para averiguar o caso e cumprir sua missão maior, que é manter a ordem pública e a segurança dos munícipes, a Lei decide, então, aproxima-se dele. "Ei, paisano, por gentileza, identifique-se!", diz a Lei. O paisano, levemente inclinado a não atender o chamado, recua e ergue a cabeça: "Pois, sim, senhores.", responde. O resto da história já sabemos como se desenvolve: o paisano é revistado, tem sua identidade revelada e, ao fim e ao cabo, é liberado, para continuar sua atividade ociosa. Afinal, desde quando é crime matar o tempo?
Talvez desde quando inventaram a roda, o telégrafo, o fogo ou, mais recentemente, diante da Ordem e do Progresso. Antes a galera desentediava-se a ver pássaros a voar para o Sul, briga de ventos, chuva à beira da noite... Agora, para matar o tempo e vencer o tédio, o homem civilizado vai ao cinema, lava o carro sobre a calçada de casa, ver o programa do Silvio Santos, vulgo Roda a Roda, e aí, nesse intervalo, o sujeito que vai na contramão desses hábitos citadinos e joga-se à rede ou leva seu tamborete para baixo de uma árvore sofre represálias. Embora, conforme os manuais não cometa crime previsto em código penal, pensa estar a cometer delito. Passantes passam, mas ficam os olhares que atribuem ao ocioso paisano, olhares de reprovação e censura.
Daí, pressupõe-se, ser natural que esse paisano envergue-se diante das retaliações sofridas ou insinuadas; que se veja desenquadrado do mundo de aço e cimento; que se tenha, até, como criminoso: embora saibamos que ele, esse paisano rural, seja inocente. Mas quem é doido de chegar junto ao paisano e dar-lhe os parabéns pela atitude anticivilizatória? Quem irá se compadecer dos sentimentos rurais do paisano urbano? Difícil não concordar que serão poucos os que lhe admitirão juízo e razão, e ainda assim, com ressalvas.
A ideia que nos puseram foi a de que ócio é pecado, para além de crime, embora tal norma, como se sabe, não vigore explicitamente em manuais de código penal. E isso faz toda diferença: porque, por estas bandas, no Brasil católico, pecado é mais grave que crime. Assim, ver tédio, senti-lo e render-se ao tamborete ou à rede, conforme a interpretação que dou às escrituras, são ações tidas como reprováveis pela sociedade e, principalmente, pecados graves. Por essa razão, lastima-se tanto e, em alguns casos quando a lamentação mostra-se infrutífera, reza-se em nome dos ociosos do mundo, para que encontrem o que fazer sem que seja nada fazer. Porque morrer de tédio parece ser uma das mortes mais mortais e doloridas do mundo.