Feliz Decadência
Zé Ricardo está feliz, virou MEI (micro empreendedor individual) aos 19 anos. Seu pai também é e por isso, ambos compartilham sonhos, lêem os mesmos livros de auto ajuda que ensinam como enriquecer, como explorar nichos econômicos, como auscultar o mercado não visto pela maioria dos serviçais cegos ou, quando muito míopes para as oportunidades. Estudam também as melhores formas de aplicar o dinheiro que ganharão, no momento a grana ainda está curta.
O pai dele, Cesar Augusto, 43 anos, era engenheiro numa automobilística do ABC que acabou de fechar as portas; foi demitido há cerca de um ano, sua mãe Lucia Helena, 40 anos, professora primária da prefeitura é a única que tem renda fixa no momento. Zé divide o quarto com a irmã de nove anos já que moram num apartamento de dois dormitórios lá pelos lados da Vila Liviero em São Paulo.
Há um ano, quando Cesar Augusto trabalhava na indústria automobilística, os sonhos eram outros. Sonhavam em quitar o apartamento e dar entrada em outro maior, com pelo menos três dormitórios, adquirir um carro mais confortável na própria empresa, fazer uma viagem a Orlando, financiar um intercambio para os filhos no exterior, tudo era sonho. A única viagem internacional que fizeram foi para Buenos Aires, num pacote dado pelos cunhados para passar a Lua de Mel. Logo no primeiro ano nasceu o Zé Ricardo, um belo menino que foi tratado com todo carinho embora os pais o deixassem na creche desde bebê, precisavam trabalhar. O menino já tinha 10 anos quando veio o segundo filho, uma menina, que também foi para a creche desde bebê.
Zé Ricardo, aos 18 anos e cursando o último ano do ensino médio, participou de um processo e conseguiu uma vaga como estagiário num grande banco, teve um bom desempenho e logo foi efetivado. Em menos de um ano veio o impeachment, a crise, a quebra de muitas empresas, o encolhimento dos negócios e em seguida as demissões. A família não tinha reservas, usavam o dinheiro que ganhavam para as compras do mês, visitas ocasionais a restaurantes e pequenas viagens de carro para o litoral e para o interior; a prioridade máxima era o pagamento da prestação do apartamento, do condomínio e a escola particular dos filhos.
Eram a favor da família conservadora, contra o aborto, o "bolsa família", o auxilio reclusão, as cotas raciais e a favor de mudanças na administração pública. Gostavam da idéia do "estado mínimo" e por isso atenderam as convocações para irem protestar na Avenida Paulista, todos vestidos com a camisa amarela da seleção brasileira.
Na família, o primeiro a ser demitido foi Cesar Augusto. Ele pensava numa carreira na empresa, tornar-se gerente ou até diretor, havia se esforçado tanto e já falava inglês, mas o que fazer? Sua hora havia chegado. O FGTS de Cesar Augusto foi suficiente para quitar o apartamento, um grande alívio. Zé Ricardo prontificou-se a sustentar a casa juntando seu salário com o da mãe, que dava pouco mais que metade do que o pai recebia quando estava empregado. A dificuldade para encontrar um novo emprego, levou Cesar Augusto a inscrever o carro da família num aplicativo de transportes e agora esse é o seu negócio.
Passaram-se três meses e agora foi o Zé Ricardo que recebeu o "bilhete azul". Tinha tão pouco tempo de casa que seu FGTS quase não deu pra quitar as roupas que havia comprado a prestação para ficar apresentável no emprego.
Vendo a dificuldade que seu pai, engenheiro, estava tendo para se recolocar, nem pensou em procurar um novo emprego, decidiu ser MEI. Pensou em comprar uma moto para fazer entregas de documentos ou comida, porém não tinha dinheiro para isso; pensou em alternativas, descobriu que poderia fazer o mesmo de bike. Com a ajuda da mãe, comprou uma "magrela" usada e agora entrega comida nas ruas da Vila Mariana. Considera-se micro empresário, assim como seu genitor. Acredita na política do governo atual, entendem que o capitão livrou o país da súcia petista-comunista. Estão decadentes, mas estão felizes.