Saudade com tapioca se paga*

Aos bons entendedores, uma pequena palavra basta, dita sem jeito ou escrita em etiqueta meia boca.

Outro dia atendi a uma ligação do meu irmão, que há dois anos não mais mora aqui. Não encontrando com quem ele queria falar, perguntou se tudo estava tranqüilo. Respondi que sim sem contar das saudades que sinto, das paixões que remôo, dos sonhos que tenho. Resumi tudo num “sim, está tudo na mais perfeita”. Ele então se despediu mandando um beijo.

Eu e o irmão somos tão parecidos, tão parecidos nos gestos, nos gostos, no temperamento, que há quem diga que sou ele vestido de mulher e vice-versa. No entanto, as birras de criança, que demoraram a passar, nos deixaram distantes e frios um com o outro. Hoje, graças ao nosso gosto por música e cerveja, dividimos mesas e histórias nas cervejadas de reuniões familiares.

Mas o que meu irmão disse no beijo de despedida nem mesmo ele deve saber. Ele disse que sentia saudades daqui, lamentou não sermos tão próximos, lamentou o fato de provavelmente nunca mais morarmos na mesma casa, e de não conseguirmos nos livrar de mágoas de birras de menino. Engraçado como muita coisa não precisa ser dita, apenas sentida.

Engraçada mesmo foi minha mãe, que também mora longe. Ela conseguiu colocar em uma só etiqueta as saudades que sente, as vontades que tem de cuidar de mim e toda a alegria que queria me dar tendo eu todas as manhãs uma tapioca pra mergulhar no meu café-com-leite.

No meio das encomendas mandadas aqui pra casa, ela mandou um saco de goma na mala com uma etiqueta em que escreveu: “Kika” (meu apelido). Eu entendi tudo.

*originalmente publicada no site Crônica do Dia ( http://patio.com.br/cronica )

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 05/11/2005
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