É POSSÍVEL VIVER NO MUNDO DOS CEGOS; COM CORTESIA E MUITA COMPREENSÃO.
A cortesia dos cegos
Wislawa Szymborska
"O poeta lê seus versos para os cegos.
Não esperava que fosse tão difícil.
Sua voz fraqueja.
Suas mãos tremem.
Ele sente que cada frase
está submetida à prova da escuridão.
Ele tem que se virar sozinho,
sem cores e luzes.
Uma aventura perigosa
para as estrelas da poesia,
para as manhãs, o arco-íris, as nuvens, os neons, a lua,
para o peixe tão cintilante sob a água
e o falcão tão alto e quieto no céu.
Ele lê-pois já não pode parar-
sobre o menino de casaco amarelo num campo verde,
telhados vermelhos que se contam no vale,
números irrequietos na camisa dos jogadores
e a desconhecida, nua, na fresta da porta.
Ele gostaria de omitir-embora seja impossível-
todos os santos no teto da catedral,
a mão que acena do trem em partida,
a lente do microscópio, o anel e seu brilho,
as telas de cinema, os espelhos, os álbuns de
fotografia.
Mas é enorme a cortesia dos cegos,
admirável a sua compreensão, a sua grandeza.
Eles escutam, sorriem e aplaudem.
Um deles até se aproxima
com o livro de cabeça para baixo
pedindo um autógrafo invisível."
__________________________________________________________
A produção do poeta, mesmo lida e explicada, não é entendida; mas ele compreende. Esperava que não fosse tão difícil, não conhecia a sensibilidade humana tanto quanto queria quando pousou no planeta, e mesmo com livros de cabeça para baixo lidos, sorriem e aplaudem, os cegos. Ele sente que cada frase está submetida à prova da escuridão. Admirável a grandeza dos cegos, passam sem serem notados. E o falcão tão quieto e do alto observa, observa distinguindo o que poucos veem. Uma aventura perigosa para as estrelas da poesia, mas vão correndo como rios que deságuam na igualdade do mar, tão presente em sua alargada jornada. E caminha altivo e solidário, ignorando a falta de luzes. Veio para servir.