VIDA DE CÃO
Olha, antes de começar a escrever, posso ser sincero? Não sinta pena de mim, okay? Essa é a minha sina, eu já tenho ciência acerca disso, e não adianta dizer "ah, que dózinha", pois isso não mudará o fato de ser o que sou e como sou. O que eu quero compartilhar é só um breve desabafo, nada além.
Me nomearam como Ted. Poxa, que nome ridículo. Eles pensam que eu não compreendo, mas eu entendo tudo... Apesar dos meus latidos em protesto, tudo sempre termina em vão. Eu permaneço encerrado nessa casa desde quando nasci, nunca me deixam conhecer o que há além destas grades brancas. Sempre que meu dono chega de carro, me dá uma vontade enorme de fugir e conhecer os mais variados cães, enfrentar todas as raças de gatos possíveis, correr atrás dos entregadores de pizza e das motos dos Correios. Eu sei, é um baita devaneio, mas é um sonho que está tão próximo de mim que consigo até sentir. Sabe, leitor, falta-me coragem. Os gritos me doem os ouvidos, 'JÁ PRA DENTRO, TED!'. Me dá medo... Eu não tenho outra escolha a não ser abandonar meu maior sonho e retornar com o rabo entre as pernas.
Nossa, eu odeio aquela ração. Deve ser a mais vagabunda do mercado, meu São Francisco de Assis! Eu como, se eu não comer, vou morrer de fome. O que me salva desses episódios são os pedaços do café da manhã que os humanos me dão, ao lado da mesa. É quase meia hora para conseguir um pedaço de mussarela daqueles egoístas. E olha, eu nem sei como me portar, porque, se eu latir, vão me condenar... Eu tenho que permanecer em silêncio até conseguir o que desejo, por menor que seja, isso quando consigo. Ah, é tão difícil!
O pior é quando chega a noite. Minha indignação vem com ela. Sabe, nada contra os gatos [Bolinha e Pelúcia], trato como se fossem cães de casa inclusive, mas tem algo que me chateia. Eu sou obrigado dormir no quintal, aos berros, pelos meus donos, enquanto os dois bichanos permanecem lindamente aconchegados na almofada do sofá, soltando matagais de pelos. Por que essa discriminação com nós cães? Somos tão amistosos, muito mais que esses gatos dorminhocos e antipáticos, protegemos o lar de possíveis invasores - a não ser que ele nos forneça um bifão como propina, aí é diferente, risos. Que tristeza. E mais uma vez, abaixo as orelhas, coloco o rabo entre as pernas e caminho apressado até a porta mais próxima. Tá frio aqui fora, mas preciso continuar cumprindo a minha sina. Oh, vida de cão!
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