CORAÇÃO GRANDE

A cabeça da velha senhora (92 anos) pendia, ora para um lado, ora para o outro. Parecia que a bandagem sobre a cabeça dela pesava mais que o lençol da cama.

Internada com urgência devido a quebra do fêmur, perna direita, a velha senhora (92 anos) fez a triagem em cadeira de roda, raio x, e os demais exames: sangue, xixi, etc...

No raio x, os enfermeiros (zumbis) pareciam tratar a paciente (92 anos), como uma boneca. Jogavam ela para cá, para lá e, corriam da sala para trás da cabine de proteção. Pouco adiantaram os ai!, ai! Tá doendo.

Os demais dias de internação foram normais.

Por ser uma velha senhora (92 anos), era preciso acompanhante 24 horas. De uma vasta família de 02 irmãos (94 anos e 84 anos) e mais uma penca de sobrinhos (30), todos de maior idade, sobrou apenas 02 pessoas. Uma + Um.

Foi lembrado em confidências nas madrugadas do hospital (quem já passou por isso sabe que as horas vão para trás e não para frente), que nos aniversários da velha senhora (92 anos) - viúva, todos participavam.

Cantava-se rapidamente o Parabéns para Você, aquele...é hora! é hora! (cantado) era esquecido e dá-lhe comer e repetir, uma, duas, até três vezes se viu alguns sobrinhos na mesa.

E no Hospital cadê-los?

O ser humano em geral é assim mesmo, humano.

O quarto do hospital era com dois pacientes.

A velha senhora (92 anos) e mais uma moça.

A moça tinha lampejos de violência.

Aquietava-se e de repente queria fugir da cama.

Ficava o tempo todo amarrada e sedada, infelizmente.

Quanto a velha senhora (92 anos) tinha aquele problema da cabeça, esse sim, o maior de todos.

Dado dia da internação apresentou-se a velha senhora (92 anos) diante dos médicos renomados, cirurgiões plásticos e outros mais (curiosos).

Ao final do exame, todos balançavam a cabeça num vai-e-vem sem parar. Cochichavam:

- Não tem jeito não! Daqui para frente só curativos e o tempo que Deus permitir.

Alguns técnicos em enfermagem (aprendizes) pediam licença para bater fotos, num melhor angulo dos nervos cerebrais.

Assim a velha senhora (92 anos) voltou para o quarto para a recuperação do fêmur e, ali permaneceu.

As enfermeira a tratavam com muito carinho, coisa de devoção mesmo.

Ainda não está tudo perdido.

Uma semana após a internação pelo fêmur, a velha senhora (92 anos) foi para casa, assim desmemoriada, mesmo. Febre, nenhuma. Pressão normal.

Ela poderia caminhar, mas por regulamento interno, saiu do hospital em cadeira de rodas até a ambulância que o SUS cedeu gratuitamente para o transporte.

Mas como o caso era de uma velhinha (92 anos), provável que o atendente no hospital chamou algum colega seu, aposentado, dono de alguma ambulância, já desativada.

O carro estava em frangalhos, começando pelo banco onde sentou-se a senhora (92 anos). A cada arrancada o assento levantava e a senhora (92 anos) ficava com os pés pro ar.

Durante a viagem caiu uma gaveta dos equipamentos sobre a cabeça da senhora (92 anos). Ela gemeu, colocou a cabeça no lugar e não reclamou.

E assim a velha senhora (92 anos) chegou na casa da sua sobrinha.

Vocês acreditam que ainda tem gente com o coração grande?

Não aquele que enfarta, aquele que abriga o amor.

Ela convive ali naquela casinha branca, bem feita no fundo do quintal. Sala, cozinha, quarto, banheiro e varanda.

Tem comida a vontade, cuidadora especial e visita dos parentes, todos contados na palma de uma só mão.

A casa grande que ela tinha, os filhos do falecido já demoliram na espera de um grande comprador para o terreno.

Desgraça do destino talvez, ela não teve filhos e ficou a mercê do destino.

Essa velha senhora (92 anos) quando ainda jovem, lá pelo 25 anos, teve

o seu couro cabeludo arrancado numa máquina de fiação.

Eram lindos cabelos longos, enrolou em um equipamento e lá se foi o couro cabeludo.

Foram feitas cirurgias na época, mas com o decorrer dos anos foi tudo enfraquecendo. Hoje com o cérebro exposto ela precisa de tratamento diário (limpeza) e pomadas e conviver com um câncer em crescimento.

Nas sequelas, o esquecimento.

Trocando nome de pessoas, fala em salas cheias de pessoas (quando estão na verdade vazias), situações que não existem e assim por diante.

Hoje eu a vi.

A cabeça da velha senhora (92 anos) pendia, ora para um lado, ora para o outro.Mas, parece que a bandagem sobre ela pesa menos do que a hipocrisia de quem a contempla.

Robertson
Enviado por Robertson em 27/09/2019
Reeditado em 02/01/2020
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