CLUBE RECREATIVO LIXEIRA PÚBLICA
As mazelas da sociedade quase sempre acontecem de algum órgão ou espaço público, então quando transbordam do anonimato, alguém sai dizendo que o acontecido deu-se a poucas quadras da central de polícia, de uma escola, do hospital de pronto socorro, assim parecendo que tais órgãos ou espaços contribuirão quase que exclusivamente na consumação da desgraça, mas jamais darão responsabilidade à qualquer lixeira pública, embora ela esteja assistindo e até servindo de abrigo a passagem da vista, nem que seja por pouco mais de uma fresta.
Exatamente a lixeira que reside, na rua Coronel Luiz Carlos de Moraes, quase na esquina com a rua Jacinto Gomes em Porto Alegre, serve de guarida aos que buscam recrear por ali.
Hoje, no dia de São Cosme e São Damião, um pouco antes das 11 horas, o rapaz, talvez com seus 35 anos, de mais de 1,80 m, sentado entre a lixeira e um carro estacionado, dava chispa no isqueiro assim iniciava a queima da pedra de craque, duas puxadas fortes encheram-lhe o rosto de fumaça, tudo muito natural, pois hoje a recreação acontece em qualquer lugar. Ao lado, um catador com a cabeça enfiada na lixeira, a vasculhava, na busca de algo para reciclar. Os prédios na volta apresentam características arquitetônicas dos anos noventa do século passado, não passando de três andares, quando não são casas de mais idade, todas à beira da calçada.
Dois moradores, já passados dos 60 anos,encontram-se durante a postagem lixo. Trocam algumas palavras de cumprimento e quando afastam-se um deles vira-se e na direção do recreante, espicha o beiço, concomitantemente com levantar das sobrancelhas e pergunta ao outro se conhece o consumidor da pedra de craque. Assim como pergunta, já sai respondendo que ele reside no prédio próximo a praça, mas não declina qual a praça. Pelo visto ele sabe de tudo que acontece, pois inclusive acrescenta que o rapaz costumava comprar maconha, ali mesmo na "boca" na entrada da vila e a consumia pela rua. Finalizando com a sentença:
- "Não faz 15 dias que ele caiu na pedra, logo, logo emagrecerá e andará sujo e maltrapilho. Aquele tênis novinho que está nos pés será trocado por duas ou três pedras"!
- Não sei o que é pior, se morrer de overdose, ou aos poucos! disse o outro idoso, que até então só ouvia. A neta de Cidinha, minha companheira, morreu de overdose de cocaína, aos 20 anos, numa destas festinhas, concluiu ele.
Tudo em nome da recreação!