Cinza
Gosto dos dias chuvosos por causa do intenso tom de cinza que o céu adquire, carregado com nuvens de chumbo. A umidade pairando no ar, as poças nas ruas e alamedas, pequenos oceanos, atlânticos e pacíficos, nos mundos de outros seres.
A garoa cai, a brisa sopra. O sol se oculta no firmamento, e a sua luz chega opaca e distante, cruzando obstinada o véu de condensação e precipitação iminente.
Eu cruzo as ruas. Eu vejo as pessoas, encolhidas em seus casacos, recolhidas àquela espécie de misantropia e introversão que acomete-as em dias chuvosos, aquela vontade de estar em outro lugar onde o sol ainda brilhe estampada em seus rostos.
Mesmo sob a chuva, aquela senhora continua no mesmo canto, vendendo bilhetes de loteria; os velhos ricos continuam tomando seu café na padaria; no bar mais a frente, aquela mesma figura curiosa continua fumando seu Derby e bebendo sua cerveja, as 9:30 da manhã; as índias desabrigadas continuam sob as marquises dos prédios, e eu continuo cruzando as ruas de uma cidade dormente.
E cinza.
A cidade é cinza, as ruas são cinzas, as pessoas são cinzas, tudo são cinzas num caixão.