A CARTA
Ao ler sua carta senti tanta raiva de mim, como pude não ter feito nada?
Como fui capaz de ficar inerte.
(Meses antes...)
O carteiro se aproximara para deixar as correspondências, recebi gentilmente e entrei para o interior da residência. Sentei a mesa para tomar uma xícara de café enquanto verificava o que acabara de receber, lá estava uma carta de uma grande amiga de infância. Achei engraçado, em plena era digital ainda receber uma carta em vez de uma mensagem pelo WhatsApp ou pelo e-mail.
Terminei de tomar minha xícara de café e acabei lembrando de um compromisso, peguei a carta (que ainda estava fechada) e deixei em um canto da estante.
(Agora...)
Hoje recebi uma ligação que me deixou em pedaços, era a mãe da minha amiga de infância ligando para informar de seu falecimento. Fiquei sem entender, mas como assim? Morreu? como? Mulher tão nova, cheia de vida e sonhos.
Sua mãe me falara que ela havia descoberto uma doença degenerativa a cerca de um ano, período também em que ficou internada no hospital e não resistiu. Mais uma vez fiquei atônico, como assim? Como ficou todo esse período e ninguém me informou? Ainda com a voz entristecida aquela mulher que falava ao telefone me indagou, se eu falava sério, pois a primeira pessoa a qual ela queria falar era eu.
Confuso, não acreditava no que escutava, mas então porque não falou comigo, não me ligou, passou uma mensagem, ou algo do tipo?
Mas uma vez aquela senhora me indagou: - sim! ela falou com você, não recebeu? (Fiquei ainda mais confuso) ela escreveu uma carta para você, eu mesma que encaminhei pelos correios para seu endereço.
O silêncio tomou conta de mim, e meus pensamentos me transportaram para o dia em que havia recebido das mãos daquele carteiro a referida carta. Pedi desculpas aquela senhora e falei que não estava me sentido muito bem, agradeci pela ligação e me despedi.
Por certo momento fiquei parado com o olhar fixado ao horizonte, a carta que recebi meses atrás, estava no mesmo cantinho da estante, peguei a carta, sentei na poltrona e lá fiquei por horas com ela em mãos sem abri-la, até que criei coragem:
Querido amigo como vai, tudo bem com você?
Espero que sim.
Resolvi escrever ao invés de enviar-lhe uma mensagem, só para reviver o que fazíamos sempre desde infância até a adolescência; que era escrever cartas. Lembra? Nossa, como era legal escrever cartas para você, já você, o quanto era difícil entender sua letra (risos), brincadeira, até que escrevia bem, nos divertimos muito. Tornamos pessoas adultas e cada um seguiu seu destino, deixando de lado nosso elo de conexão.
Bem, recentemente descobri que não estou muito boa de saúde, e que agora meu novo domicilio é o hospital (risos), mas estou me cuidando, conforme mamãe diz; “só estou passando uma chuva” e que logo, logo estarei em casa.
Que dia você vira me visitar para colocarmos os assuntos em dia? Sei que você é uma pessoa cheia de compromissos, além é claro de morarmos milhas de distância. Peço pelo menos que me escreva, ficarei aguardando ansiosa por sua carta.
Abraços fraternos de muito carinho.
Silêncio profundo...
Lagrimas percorreram a face, minha alma saiu do meu corpo, vozes ecoavam do meu inconsciente, e ali permaneci, sentado, e imóvel. Cada palavra escrita nesta carta percorre todo meu ser, a carta que havia deixado de lado, a carta que deveria ter aberto e lido naquele exato momento em que tomava a xícara de café, e que fui protelando, dando prioridades a coisas desnecessárias, deixei para depois o que poderia ter feito naquela hora.
E agora? E a carta que deveria ter escrito de volta?
Ela deve ter esperado até seu último suspiro de vida para recebê-la, e agora não posso voltar o relógio do tempo. Minhas palavras serão inúteis e nada vai mudar, posso escrever as mais belas e singelas palavras que não irei desfazer do meu erro.
Dias e noites se passaram, e minha mente me atormenta trazendo lembranças da carta, não consigo dormir direito nem muito menos comer, sinto-me um moribundo, e sei que essa culpa terei que carregar para o resto da minha vida.
(Tempos depois...)
Depois de um longo período, acordei do meu inconsciente, e percebi que não posso mudar o passado, mas posso mudar meus erros desse passado.
Desde então comecei a dar mais atenção as pessoas ao meu redor, paro para ouvi-las e não deixo ninguém me esperando, faço o que tenho que ser feito. Todos os dias escrevo cartas e envio para pacientes em hospitais, falo de amor, de alegria, poesia, da vida e o quanto eles são especiais, quero que elas busquem no seu interior o sentido de viver. Quando escrevo as cartas sinto paz interior, eu só queria arranjar um jeito de me perdoar, de confortar meu coração e poder seguir em frente.
Autor: Jackson Brandão
22/09/19