QUE IMPORTA MORRER, SE ESTAMOS MORTOS?

Morrer é dissipar-se, em corpo. Subir a montanha desnudando-se ao sol.Fica algo envolvente nas áreas leves do transporte do tempo, é um voo desconhecido, traslado do conhecido para o desconhecido, inexpugnável.

Ninguém no tratado das incertezas, de imensa amplitude indecifrável, clarificou minusculamente aberturas explicativas.

Noventa e cinco por cento da humanidade não descurou desse fato, professa-o com todas as forças, no tempo e no espaço, não descrê em algo além do corpo, acolhe difusa sorte de personagens. Estão espalhadas no cosmos da imaginação. E ninguém, não faz tanto tempo, não pensava que podia voar em corpo. O futuro é incógnita. Imagina-se somente o depois do fim do corpo, essa viagem tão desconhecida e motivadora, secundada pela fé.

Se não há motivação questionadora, o mais nobre elemento do homem, o pensamento que se traduziria em alma, já se está meio morto, ou morto plenamente, e não tem muita expressão o que se pensa porque não se pensa. Quem não se dirige para a maior importância do que será da sua alma, pensamento que nos move interiormente com intensidade, quando preponderar o espírito que se vai, pensa?

Se já estamos mortos, que importa morrer?

Faltam brilhos, ornatos, especiarias, lapidação da pedra bruta que é o cérebro, que apura o pensamento nas questões maiores, não para negar a origem que desconhecemos da chegada, também, mas para vivê-la sob o halo da luz em que chegou e que um dia se extingue.

A negação da maior certeza da vida, seu fim com a possibilidade de ulteriores ocorrências legadas à indiferença e monossilábica negativa, denota certa involução do pensamento. Ninguém recepciona com tranqüilidade a incerteza para onde vai, da mesma forma que passa pela vida buscando de onde vem. Só o desinteresse apático pelas grandes questões indica esse tamanho do conforto na simples negativa que sinaliza desconforto. Dessa forma nada mais temos que detentores de um veículo estacionário, onde talvez falte o combustível maior, a curiosidade.

Vivemos na atmosfera e voamos entre a troposfera e a estratosfera. Os aviões voam a esta altitude para aproveitarem a baixa turbulência e porque ficam acima do nível das nuvens de tempestade. O ar é mais rarefeito nesta altitude, o que provoca menor resistência no voo e redução de gasto de combustível.

Turbulência, o que não suporto em aviões e acontece sempre na hora de comer. Tenho um genro com anos de voo em parapente, ao ponto de sair em capa do tabloide domingo do Globo/Barra da Tijuca como dos mais experientes. Não voo em “cafifa”, para o que me convoca sempre o genro com minha natural recusa. A turbulência é máxima. Felizmente minha filha foi uma vez só. Não gostou.

Ficar como uma pena ao sabor do vento e da condução do piloto, em voo duplo; estranho e sedutor. Um piloto da American Airlines que voou com ele e quis ser aparelhado para voar e ele está habilitado a ensinar, licenciado pelo órgão regulador, disse a ele, “isso que é voar”. E é!! Coisa de liberdade insana, estar no vazio do espaço. Assim se vai a alma transformada em espírito, assim acredita a fé que não estaciona e se fortifica na oração, na "preghiera" do fervor italiano, a Terra das Conversões.

Por que dessa história? Morrer é um voo para o desconhecido, pela fé fortalecido. Por quê? Por se gostar tanto da vida, assim se declara o homem, que quer uma outra vida, e eterna... E segundo Lucrécio, poeta romano, os homens criaram religiões e deuses por temor da morte.

E mesmo os mais resistentes não enfrentam a verdade do temor, inserem a dúvida na interrogação, ou mesmo se põem quase lineares com a possibilidade de outra vida. O que disse Darwin, que colocou seu pensamento a serviço, profundamente, no garimpo incansável de saber de onde viemos, questionando e selecionando as espécies?

“Ninguém deve se surpreender, pelo muito que ainda fica inexplicável com respeito à origem das espécies e variedades, se se dá o devido desconto à nossa profunda ignorância com respeito às relações mútuas dos muito seres que vivem ao nosso redor.” E remata ao final de seu livro marcante nas ciências do pensamento “A ORIGEM DAS ESPÉCIES ” : “Quanto aos meus sentimentos religiosos, acerca dos quais tantas vezes me têm perguntado, considero-os como assunto que a ninguém possa interessar senão a mim mesmo”. É verdade, sob esse aspecto a ninguém pode ou deve interessar o que pensam terceiros, aspecto intimista, mas Darwin centralizou convicções que marcaram a ciência, então todos queriam saber seu pensamento sobre o fim, sobre a morte. E disse:

“Posso adiantar, porém, que não parece haver qualquer incompatibilidade entre a aceitação evolucionista e a crença em Deus”. Rematando:“Ao final gostaria de encerrar com esta afirmação: Sistematicamente evito colocar meu pensamento na religião quando trato de ciência”.

Seu pensamento voltado para a religiosidade era compatível com a ciência. A dúvida faz crescer, sua ausência mostra a morte prematura.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 22/09/2019
Reeditado em 30/04/2021
Código do texto: T6751110
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