UMA VIDA EM CINCO ANOS E CINCO LINHAS

"Pra não dizer que não falei de flores."

Geraldo Vandré

PRIMAVERA DA SILVA nasceu no dia 22 de setembro de 2011, com sérios problemas de saúde, consequência da carência alimentar e do excesso de trabalho de sua mãe durante a gestação. Frágil Rosa delicada. Sobreviveu.

Aos dois anos, a mãe a inscreveu para uma vaga numa creche pública; não conseguiu. Para poder trabalhar, ela a colocou em uma creche não legalizada, onde, junto com outras crianças, era maltratada e mal alimentada. Doce Margarida. Sobreviveu.

Devido à saúde frágil de Primavera, sempre precisando de cuidados, a mãe foi despedida de vários empregos. Os patrões não aceitavam suas faltas e atrasos. Duas sofridas Angélicas. Sobreviveram.

Primavera enfrentou várias doenças : sarampo, catapora, virose, diarreia, alergia, dengue, anemia... Sobreviveu, apesar da alimentação precária à base de carboidratos e frituras, sem leite, sem legumes, verduras e frutas. Uma Íris guerreira de cinco anos.

No último domingo, a mãe a levou à pracinha para brincar com os coleguinhas, entre risos e correrias, pipocas e balas. Lembrando o poeta Vinícius de Moraes, "De repente, não mais que de repente, do riso fez-se o pranto". Mais uma bala perdida e achada. Policiais? Bandidos? Não importa. A frágil e delicada Orquídea não irá crescer nem florescer.

Como não houve reação da pacífica comunidade, depredando o patrimônio público ou queimando ônibus, Primavera mereceu apenas cinco linhas na página policial do jornal. Uma para cada ano de vida. Apenas mais uma para a estatística. Logo, logo será esquecida. Sobreviverá somente nas lágrimas doloridas e nos braços vazios de sua mãe. Triste Violeta.

As mães dos coleguinhas de Primavera, solidárias na dor, pensando em seus filhos, foram ao enterro, levando flores de Jasmim, arrancadas do jardim da pracinha.

Segundo o funcionário do Departamento de Parques e Jardins,

elas cometeram um grave crime ambiental, passível de multa e até prisão.

Rio, setembro/2016