As montanhas de Minas

“Ouro Preto tem umas montanhas espalhadas, protegendo a cidade do mundo” (Chico Mário)

Tanta gente já louvou as montanhas de Minas... Seu charme, seu mistério. Sei que é meio exagero isso. Minas são muitas, já nos ensinou o Guimarães. É mais uma tipologia que qualquer outra coisa falar do “mineiro”, da “mineiridade”. Ainda assim, a gente usa.

As montanhas me despertam fascínio desde pequeno. Foi na filosofia que entendi melhor essa quase fixação. Quando os meus professores se esforçavam pra explicar o ato de filosofar e um colega pedia, inutilmente, um exemplo – o que é a maior tragédia para um professor de filosofia –, eu pensava: "As montanhas, as montanhas".

E o professor, após segundos de visível desespero, respondia: "É descobrir o que está por trás do que se vê". A definição piorava as coisas. E eu, calado, entendia: a filosofia está nas montanhas. E me lembrava da infância, quando olhava ao redor e só via serras, cinzentas de longe, mas verdes de perto. A Serra da Ventania, a Serra de Furnas, a Serra do Carmo do Rio Claro...

O que havia atrás? O outro lado. Irresistivelmente atraente e desafiador. "O outro lado; o outro lado". E nesse crescer, cercado de outros lados, todos os lados me pareceram sempre outros, por trás de outros ainda. De tal forma que eu me senti, espontaneamente, quase sempre não em "um lugar", mas em "outro lugar de outro".

E de tanto insistir nas aulas, embora tendo aprendido muito pouco de lógica e quase nada de metafísica, aprendi algo da mineiridade: deve-se buscar o que um mineiro diz por trás daquilo que ele fala. Próprio de culturas de regiões de topografia acidentada, sua linguagem foi cunhada entre as montanhas, por isso tem a mesma estrutura delas. Deve-se buscar a coisa por trás da coisa! E Platão pelejando com as formas puras, as ideias que estão para além dos fenômenos sensíveis. Bastaria olhar as montanhas. Foi um grande pensador, mas faltou-lhe viver em Minas, coitado.

E aprendi também que, por vezes, vale mais o gesto de presentear que o presente, vale mais o telefonema que o conteúdo da conversa, vale mais o que não se fala do que o dito. A vida está sempre escondida atrás de si mesma. Porque tudo o que se vê não está aqui, nem ali, mas sempre lá, do outro lado da montanha; e se alguém desafia tal estrutura mistérica e se embrenha a buscar o outro lado, lá chegando, concluirá, abismado, que não chegou ao “lugar” tão desejado: estará apenas no outro lado de onde esteve, aquele que, antes, já era outro.

José Carlos Freire
Enviado por José Carlos Freire em 21/09/2019
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