Ninguém é de ninguém
“Ninguém é de ninguém / na vida tudo passa”, assim cantava Miltinho, e, se não me engano, também Cauby Peixoto; o primeiro com sua voz aguda e fanhosa; o segundo, com a sua grave, de barítono, mas ambos com a mesma convicção: ninguém é de ninguém... Há sentenças, como essa, que gozam de universalidade, porque nunca ninguém assumiu a persistência de procurar a sua contradição. A exemplo disso, dizem que as impressões digitais são únicas, nas pontas dos nossos dedos. Desconfio que elas não coincidam com as de alguém, nesse imenso mundo. Ora, nunca compararam as dos meus dez dedos com as do prezado leitor ou com cada um de nós dessa extensa humanidade. Por essa convicção, a polícia e detetives identificam “quem é quem” principalmente pelas pontas dos dedos. E quem furta, quem assassina limpa cuidadosamente a arma com uma flanela para não deixar suas impressões digitais.
Os dedos se tornaram também chave para abrir as coisas de segredo, portas e portões, contas bancárias, substituindo a senha de números e letras. Melhor: não é preciso decorar tantas senhas, basta ter os seus dedos. Quem sabe, em outros tempos, se as mágicas palavras, que aprendi na minha infância, do conto As Mil e Uma Noites: “Abre-te, Sésamo” não poderiam ter sido as pontas dos dedos, encostados na montanha, para fazer rolar a grossa pedra que servia de segura porta da caverna dos Ali Babá e seus quarenta ladrões. Mas, a tecnologia se guardou para outras coisas nossas já tão usadas pelas pontas dos dedos, utilizadas também na linguagem ostensiva, apontando, mostrando, escolhendo, acariciando, et cetera.
Perdendo para os nossos dedos, nossas fisionomias falham a nos distinguir. Há caras, na nossa espécie, que são muito parecidas, aliás parecidíssimas, e sem pertencerem a criaturas gêmeas, até se avaliando: “a cara de um é a cara do outro”. Isso sem se falar do talis pater, talis filius ou não se aplicando ao filho em comparação ao pai: “cara talhada e esculpida” que se modificou na corruptela para “cara cagada e cuspida”. Mas o assunto discorre sobre pessoas parecidas umas com as outras sem qualquer grau de parentesco. Quem já não abraçou, por engano, e depois pediu desculpa ao desconhecido, rindo ou contrariado? As fisionomias deveriam servir para distinguir as pessoas, como as máscaras, chamadas de persona, que diferenciavam, nos anfiteatros greco-romanos, personagens, atores ou atrizes, cujas faces não eram diferenciadas à distância. É daqui de onde vem o termo “personalidade”, o que cada um deveria ter para se caracterizar como pessoa, distinta do indivíduo. O indivíduo é como um simples tijolo na construção da sociedade, sem distinção, sem personalidade, todos são iguais, são apenas elementos unitários da constituição do grupo social ou da sociedade. Teoricamente seríamos iguais aos outros, mas completamente diferenciados pelo caráter e pela personalidade. Daí ser ofensa, quando se diz que alguém não tem caráter ou personalidade.
Nesse sentido, se “ninguém é de ninguém”, a sua cara deveria ser a sua cara, mostrando-se, antes das pontas dos dedos. Além disso, essas diferenciações enriquecem sobremaneira a sociedade humana, enquanto homens e mulheres constroem a sua cultura, que, considerada universal para estudo e pesquisa, não esconde sua diversidade no relativismo cultural, causada pelos fatores físicos, biológicos e sociais, de cada povo no seu habitat. A diversidade humana pode ser ótima enquanto opera na criatividade cultural, nas artes, na poesia, até na culinária. Contudo, na diversidade, jamais as más ideias, políticas e religiões que ofendam o bem comum, o que não é de ninguém, porque é de todos nós. É, na vida, tudo passa. E se ninguém nos possui, então ninguém é de ninguém...
“Ninguém é de ninguém / na vida tudo passa”, assim cantava Miltinho, e, se não me engano, também Cauby Peixoto; o primeiro com sua voz aguda e fanhosa; o segundo, com a sua grave, de barítono, mas ambos com a mesma convicção: ninguém é de ninguém... Há sentenças, como essa, que gozam de universalidade, porque nunca ninguém assumiu a persistência de procurar a sua contradição. A exemplo disso, dizem que as impressões digitais são únicas, nas pontas dos nossos dedos. Desconfio que elas não coincidam com as de alguém, nesse imenso mundo. Ora, nunca compararam as dos meus dez dedos com as do prezado leitor ou com cada um de nós dessa extensa humanidade. Por essa convicção, a polícia e detetives identificam “quem é quem” principalmente pelas pontas dos dedos. E quem furta, quem assassina limpa cuidadosamente a arma com uma flanela para não deixar suas impressões digitais.
Os dedos se tornaram também chave para abrir as coisas de segredo, portas e portões, contas bancárias, substituindo a senha de números e letras. Melhor: não é preciso decorar tantas senhas, basta ter os seus dedos. Quem sabe, em outros tempos, se as mágicas palavras, que aprendi na minha infância, do conto As Mil e Uma Noites: “Abre-te, Sésamo” não poderiam ter sido as pontas dos dedos, encostados na montanha, para fazer rolar a grossa pedra que servia de segura porta da caverna dos Ali Babá e seus quarenta ladrões. Mas, a tecnologia se guardou para outras coisas nossas já tão usadas pelas pontas dos dedos, utilizadas também na linguagem ostensiva, apontando, mostrando, escolhendo, acariciando, et cetera.
Perdendo para os nossos dedos, nossas fisionomias falham a nos distinguir. Há caras, na nossa espécie, que são muito parecidas, aliás parecidíssimas, e sem pertencerem a criaturas gêmeas, até se avaliando: “a cara de um é a cara do outro”. Isso sem se falar do talis pater, talis filius ou não se aplicando ao filho em comparação ao pai: “cara talhada e esculpida” que se modificou na corruptela para “cara cagada e cuspida”. Mas o assunto discorre sobre pessoas parecidas umas com as outras sem qualquer grau de parentesco. Quem já não abraçou, por engano, e depois pediu desculpa ao desconhecido, rindo ou contrariado? As fisionomias deveriam servir para distinguir as pessoas, como as máscaras, chamadas de persona, que diferenciavam, nos anfiteatros greco-romanos, personagens, atores ou atrizes, cujas faces não eram diferenciadas à distância. É daqui de onde vem o termo “personalidade”, o que cada um deveria ter para se caracterizar como pessoa, distinta do indivíduo. O indivíduo é como um simples tijolo na construção da sociedade, sem distinção, sem personalidade, todos são iguais, são apenas elementos unitários da constituição do grupo social ou da sociedade. Teoricamente seríamos iguais aos outros, mas completamente diferenciados pelo caráter e pela personalidade. Daí ser ofensa, quando se diz que alguém não tem caráter ou personalidade.
Nesse sentido, se “ninguém é de ninguém”, a sua cara deveria ser a sua cara, mostrando-se, antes das pontas dos dedos. Além disso, essas diferenciações enriquecem sobremaneira a sociedade humana, enquanto homens e mulheres constroem a sua cultura, que, considerada universal para estudo e pesquisa, não esconde sua diversidade no relativismo cultural, causada pelos fatores físicos, biológicos e sociais, de cada povo no seu habitat. A diversidade humana pode ser ótima enquanto opera na criatividade cultural, nas artes, na poesia, até na culinária. Contudo, na diversidade, jamais as más ideias, políticas e religiões que ofendam o bem comum, o que não é de ninguém, porque é de todos nós. É, na vida, tudo passa. E se ninguém nos possui, então ninguém é de ninguém...