AMBIVALÊNCIA. HOMEM, ESSE SER ESTRANHO.
Vivendo entre suas grandes cerebrações, deslocado do tempo como todos os gênios e santos, Rousseau fez um pouco de tudo. As sutis questões levantadas em seus "Discursos" o celebrizaram. Em pouquíssimo tempo o mero copista musical oriundo de Genebra restou famoso.
Na vida turbulenta que arrastou, sofrida e tumultuada em várias fases, fazia um pouco de tudo, chegando a escrever uma comédia, "Narciso", bem como um novo sistema de notação musical. Como músico foi entronizado na sociedade mundana de Paris. Diderot encomendou-lhe temas sobre música para sua "Enciclopédia". Os "Discursos" tornaram Rousseau o filósofo conhecido por séculos.
Neles se destaca o núcleo do ser humano como entidade da bondade, da inocência e principalmente do altruísmo. O egoísmo, arremedo de humanidade, trava insípida e amarga que solapa o crescimento de todos, seria fruto da ordem social mal construída, insana, decrépita, instável e voluntariosa. E esse retrato, a cena, se inscreve nas leis. O palco é um só, os atores os mesmos, a peça atravessando o tempo.
Se dermos um breve passeio pela história constataremos que o filósofo tinha razão. E seus credos são atualíssimos. Não precisamos ir longe. Ficando na domesticidade de nosso solo, investigando quem o pisou, conquistou, dominou, como se desenvolveu e sob quais mandos e diretrizes, o que nos deram de civilização, quais os benefícios de colonização se é que a tivemos, verificaremos quanto de axiomático, verdadeiro, encerra o princípio defendido pela brilhante mente de Rousseau; está aí o perfil do homem para quem pouco o conhece, sem rastrear a história em suas minúcias, onde pouco sobra de adjetivação positiva.
De um lado o homem e sua virtude dilacerada pela sociedade, de outro a sociedade esmagando aquele que a criou para protegê-lo. Daí se extraíram os dogmas dos infortúnios de um homem cego, egoísta, retirando a liberdade, a sobrevivência das faculdades todas, de ir e vir lastreado na paz das normas criadas, principalmente, de fazer escolhas legítimas sem intolerâncias. A tal ficção rotulada de Estado de Direito, falaz, perversa e mentirosa.
Esse préstito, de par com outras castrações, retira a muitos a sobrevivência material, o puro e simples direito humano à dignidade, por egoísmo, não só à moradia, à saúde, à educação, mas à proteína.
E nessa toada de simulações e desencantos formaram-se os opiniosos regimes de Estado. Falidos e assim conhecidos, com maior ou menor intensidade, os mais aceitos não extinguiram de vez com liberdades públicas.
Martirizando, embrutecendo, radicalizando, banalizando os maiores valores do homem, os regimes percorreram tempos e nações, épocas e rincões. Estamos todos nessa procissão; de passagem. Talvez pelo sepulcro ser o corpo, como dizem os espíritas.É a caminhada da humanidade, una, não há fragmento. Por essa linearidade temporal, fatos provam o perfil humano.
Todos querem ter razão. Ninguém a tem. Os sábios não a tiveram. Os santos não a alcançaram, sublimaram. Os filósofos não a explicaram. Os artistas não a atingiram como perfeição plástica. Cristo indagado por Pilatos o que era a verdade, chamemos de razão, não obteve resposta o Romano, pois Cristo veio ao mundo fazer justiça.
Um Estado de Direito que nunca existiu, ratifica o tempo.
Tenho uma placa em minha mesa com os dizeres "Não quero ter razão".
Chegamos ao nada?
Não, absolutamente não, precisamos compreender que compreender é a grande meta, unir o grande objetivo, somar a melhor equação, distinguir a grande sabedoria, amar e ser caridoso o fim último.
Sob esses pequenos grandes pontos que ninguém pode apartar, tentemos construir mais e desconstruir menos, se pudermos atalhar os que põem obstáculos nesses caminhos, façamos assim, com benevolência e compreensão, pensem distantes dos fundamentalismos, palavras nada mais.
O básico na sociedade não é um enfrentamento ideológico vetusto, longe do foco pensando estar perto, ser íntimo da ideia posta, carregado de diversionismos sem pilares, mas um emaranhado significativo de relações e interlocuções humanas.