Sobre ser vegetariano enrustido...
... a família estava reunida na mesa de jantar, como sempre, calada. O filho único emite um pigarro fino e começa:
- Pai, mãe, preciso dizer uma coisa.
- O que foi meu filhinho. Diz a mãe, de forma despreocupada.
O pai levanta uma das sobrancelhas enquanto finge que não está prestando atenção na conversa. Então o filho continua:
- Preciso contar algo, mas tenho medo da reação de vocês.
O pai e a mãe dão uma breve pausa.
- Pode falar filhinho, é algo tão grave assim? Pergunta a mãe, enquanto o filho encara o pai pela primeira vez.
- Agora que começou, pode desembuchar! Diz o pai de forma rude e com a boca cheia de comida.
- É que... é que... O filho tenta, mas não consegue completar a frase.
A mãe então, compadecida, intercede por ele:
- Acho que já sabemos filho. Não precisa se preocupar, a gente vem notando o seu jeito. Mas ainda te amamos e olhando para o pai, espera uma confirmação duvidosa:
- Não é esposo?
O pai se engasga um pouco, dá uma daquelas tosses de cachorro rouco, mas confirma:
- É filho, ainda te amamos, pode dizer, você é gay, não é? A gente já sabe, a gente aguenta.
Falou isso como alguém que acabou de levar um chute na boca. Inicialmente o filho fica surpreso, mas logo em seguida dá um suspiro aliviado e diz:
- Não pai, não é isso não.
Neste momento, são os pais que se entreolham surpresos; e a mãe diz:
- Como assim filhinho, você não é gay? Pensamos que era isso que você queria dizer.
- Não mãe, não sou gay. Não é isso não.
O pai então, de tanta alegria, ao tentar falar espirra suco de acerola pelo nariz!
- Eu sabia! Eu sabia que meu filhão não era...
Mas se contem ao perceber o olhar inquisidor da mãe. Então, curiosa, ela pergunta:
- O que você queria dizer então filhinho?
O filho então, agora aliviado fala:
- Mãe, pai, eu sou vegetariano.
O pai e a mãe se entreolham mais uma vez, mas desta vez, mais surpresos do que a vez anterior. Uns cinco segundos de silêncio se seguem, como aquele que provavelmente precedeu o impacto do asteroide que atingiu o golfo do México, culminando com a extinção dos dinossauros da face da Terra!
Então, logo em seguida a mãe simplesmente... desmaia!
O pai, ainda sem reação e sem saber se socorre a mãe ou se grita com o filho, num repente de agilidade consegue fazer os dois ao mesmo tempo e diz:
- Você é o quê? Olha... olha o que você fez, você... seu... você quer matar a sua mãe de desgosto?
A mãe volta a si, mas berrando um choro de carpideira tão lamurioso, que faz todos os pelos da nuca do filho se eriçarem!
- Meeeeeeeeeuuuuuuuuu fiiiiiiiiiilllhhooooooooooo, nããããããoooooooooo, meeeeeuuuuuu fiiiiiiilhooooooooo nããããoooooooo...
E volta a desfalecer.
O pai, ainda sem saber direito o que fazer, tenta achar uma explicação para aquela inusitada situação:
- Só pode ter sido aquele comercial do menino do brócolis! Só pode!
E lançando chamas pelos olhos em direção ao filho, esbraveja:
- Maldito comercial! Maldito!
A mãe volta a si mais uma vez e mais uma vez se lamenta, num tom ainda mais lamurioso.
- Peeeeerrrrrdiiiiii meeeeeuuuu fiiiiiilhoooooooo.... meeeeeeeeuuuuuuuu fiiiiiiiiilhiiiiiiiiinhoooooooooooo, nããããããããooooooooo... Vai ficar magriiiinhoooo, coitadiiinhooo...
O pai então decreta.
- Fora da minha casa! Fora! Não criei filho para ser essa... essa coisa aí! Fora! Fora já!
O filho, que até aquele momento estava estatelado pela inesperada reação dos pais, rapidamente sente o perigo do tom da ameaça e finalmente foge, sem saber direito para onde ir; sai se debatendo pelos móveis no sentido da porta da rua.
Depois que o filho sai da sala, os pais voltam ao normal e olham pela janela o quão desesperado o filho ficou com toda aquela encenação...
- Será que ele volta antes das 22 h? Pergunta a mãe, já recuperada e como se nada tivesse acontecido, com um riso no canto da boca tão cínico quanto o do pai...