O Brasil de 2019 te deixa paranoico? A culpa não é sua
M Matheus Pichonelli
116 / 09/2019 04h00
116 / 09/2019 04h00
(iStock)
A democracia atrapalha o progresso do país. O climatismo ameaça a nossa soberania. Vivemos em um apocalipse zumbi na terra onde comer carne está proibido, e tudo o que fazemos é ouvir as músicas de uma banda de semi-analfabetos compostas por um filósofo alemão que celebrava satanás em um plano para… para que mesmo?
A pergunta me faz acordar de sonos intranquilos. Será que sonhei ou realmente ouvi tudo isso? Será que estou delirando?
Se estivesse, estaria, talvez, feliz e bem representado. Mas não: as frases acima foram produzidas, na mesma semana, pelo filho, pelo chanceler e pelo guru de nosso presidente, Jair Messias Bolsonaro.
Posso não estar delirando (ainda), mas paranoico estou. Um pouco. Mais que pouco. Muito.
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Não tem dia que não me pergunte se não estou, na verdade, em uma espécie de limbo da Caverna do Dragão ouvindo as pistas furadas do Mestre dos Magos.
Parece brincadeira, mas o papo é sério, como alerta a reportagem de capa da revista Época desta semana que pergunta: "Como se manter são apesar da política?".
Desespero, desamparo, desalento
O texto investiga por que muitos de nós, em meio à proliferação de notícias falsas e discussões que levaram ao rompimento com amigos e familiares, temos sentido desespero, ansiedade, desamparo e desalento como nunca antes na história desse país, o que tem elevado a busca por consultas a terapeutas e ligações para centros de prevenção ao suicídio.
As notícias que ilustram o texto ajudam a explicar a gravidade da coisa: o ministro da Educação seria reprovado em qualquer prova de língua portuguesa; bolsas de estudo são suspensas (e depois reativadas); atirar na cabecinha agora é política pública; fritar hambúrguer virou credencial para futuros embaixadores; ministro da Economia diz que primeira-dama francesa "é feia mesmo"; e por aí vai.
É como dormir adulto e acordar na quinta série. Ou, pior, como definiu o psicanalista Contardo Calligaris em coluna recente na Folha: "A impressão é que estamos sendo governados pelos últimos da classe".
No meu caso, isso equivale a estar a reboque de um colega que quase perdeu o olho chacoalhando a garrafa de refrigerante e fazendo a tampinha explodir; que conseguia amarrar o cadarço do tênis direito na canela esquerda e tropeçava sozinho quando o alarme da saída soava.
Lembro que ele agora está abafando com um discurso empoderado pelo mito que ajudou a eleger e deito em posição fetal chorando largado, querendo mudar não de classe, mas de planeta.
Se você não está preocupado, deveria
Nessas horas, paro e penso se não é melhor rir um pouco da situação. Substituir o "apocalipse zumbi" por "ó-as-ideia-do-cara".
Afinal, é quase um consenso entre especialistas que o medo é o afeto político central mais eficiente para tempos sombrios. Serve para construir inimigos, ou "outro conveniente" a quem botamos a culpa pelos fracassos da nossa vida de merda e nos deixa vulneráveis a aceitar qualquer esmola em troca de proteção, mais ou menos como faziam os vassalos na Idade Média que, com medo dos bárbaros, prometiam devoção eterna às barbáries parceladas dos senhores feudais.
O medo é o curto-circuito das últimas luzes que fazem frente à escuridão, essa morada da ignorância que não nos permite distinguir sombras das figuras monstruosas.
O problema é quando a fantasia ganha contornos reais, como mostrou, na reportagem da Época, o psicanalista Christian Dunker, professor da USP e colunista do UOL. Para ele, a crise em torno do desmatamento da Amazônia foi uma espécie de materialização de algo errado acontecendo. "A formação de um dia que mudou sua atmosfera em função de queimadas produziu 1 grama a mais de realidade para nossos pesadelos, dando concretude à insegurança das pessoas."
Pensando bem, não estamos paranoicos ou com mania de perseguição. Estamos, isso sim, preocupados.
Se você não está, deveria. É sinal de que alguma sanidade ainda grita. Pedindo para que o último a sair não apague a luz.
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Lembro que ele agora está abafando com um discurso empoderado pelo mito que ajudou a eleger e deito em posição fetal chorando largado, querendo mudar não de classe, mas de planeta.
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