O DIA IDEAL
O que você pensa sobre um dia ideal? Talvez um dia radiante, os ombros torrando sob o sol de uma praia qualquer, uma porção de camarão solicitada e entregue pelo seu João da barraca do Mané, ou uma viagem inesperada que te toma de repentina; pode ser também um presente de alguém bem quisto. Não minto, nesta última possibilidade também me animo de prontidão. Em suma, posso ser considerado um fanfarrão sensacionalista por ter que discordar da grande maioria. Não posso negar que isso massageia o ego, o fato de ir contra a maré das massas sedentas e vazias.
Como recurso em minha defesa [se isso for capaz de convencê-lo, claro], tenho um pedaço do melhor lugar do mundo diante da minha janela. O cheiro de café recém passado penetrando as narinas, como se me convidasse em uma viagem só de ida, para satisfazer o prazer exigido que a cafeína implica na gente. Desculpe-me a distração, vamos focar no que há diante da minha janela, como havia citado. Ah, que bela visão. O verde entra em contraste com a neblina branca, monopolizando todo o horizonte, como quem dissesse ser proprietário e criador do mundo inteiro, “é meu direito”, poderia dizer. Como boa manhã de julho, frio convidativo aos seus amantes, antônimo ao oposto.
Amante bom que sou, me acomodo na poltrona branca, aquisição de uns trinta anos... Paguei uma barganha nessa belezinha, não que eu fosse um fã assíduo de conforto. Quando jovem, costumava ser mais aventureiro, consequentemente, conforto era uma regalia da qual não fazia muita questão. Meu objeto predileto fora comprado por motivação capitalista, meu caro amigo, uma mixaria. Do meu casaco preto e mesclado de tons areia-deserto-do-Saara, retiro meu cachimbo do bolso que já fora mais fundo, pego o tabaco e a caixa de fósforos. Diante de mim, a paisagem permanece com poucas alterações. Honrando a presença do vento, abro a janela e me permito ser abraçado pelo toque que a paisagem tem, toque esse que confiscou para si parte do perfume de café do ambiente. Como diriam os mais espiritualizados, energia de troca óbvia, não é mesmo?
De tudo que leu até aqui, ainda julga não se tratar de um ‘dia ideal’? É, talvez eu esteja velho, ou ao ser abraçado pela paisagem a frente revivo uma pequena parcela da juventude. Agora, preciso ir, Alzira me grita na cozinha, o café já está pronto. Fica a reflexão, nossos ideais nem sempre são capazes de atender as variedades dimensionais ao qual desejamos cobrir.
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