QUEM VAI SE ACUSAR QUANDO A FATURA CHEGAR?

QUEM VAI SE ACUSAR QUANDO A FATURA CHEGAR?

Os professores, melhor que qualquer outra pessoa, sabem que o pretexto de exaltação à Pátria tem outros fins bem menos nobres. A questão é: estamos dispostos a arcar, amanhã, com o ônus de nossa indiferença hoje?

Claudio Chaves

kafecomelit@hotmail.com

A correria nas escolas públicas de Laranjal para o chamado desfile cívico do dia 13 de Setembro próximo não deixa dúvida: trata-se de um improviso. A dúvida é outra: qual a verdadeira razão de se reduzir horários de aula, comprometer o já comprometido calendário escolar... alterar a rotina da escola, já profundamente prejudicada com os problemas (falta de merenda e de materiais didáticos, falta de docentes, greves, etc.) costumeiros?

“Resgatar os valores”. Esta seria a justificativa dos organizadores do evento. Sim. Mas desde quando se resgata valores sacrificando outros?!

O improviso é tão flagrante que o tema denuncia não ter havido a necessária discussão sobre o assunto. Ora, convenhamos, “resgatando os valores”! Como assim?! Que valores?! Quando eles foram “sequestrados”?!

E sei, evidentemente, que há um esforço, creio que sincero, de quem definiu tal temática para chamar a atenção para aspectos relevantes de nossa conduta enquanto sociedade. Mais uma vez, a questão é outra. Todo o mundo acadêmico – e o mundo da gestão público é permeado pelo mundo acadêmico – sabe as consequências que definições aligeiradas trazem para a compreensão e, principalmente, para a atuação da sociedade em assuntos extremamente complexos e subjetivos como os chamados valores. O que são, por exemplo, esses valores?! Quem os define: o senso comum?! As ciências?! As autoridades?! A Religião?! Se precisam ser resgatados, quem e quando os sequestrou?!

A questão não é tão simples – e aqui não é o fórum ideal para tal debate. O que paralisa e assusta mesmo é a indiferença, o silêncio sepulcral dos docentes – contrastando com o “brado retumbante do povo heroico” descrito por Duque Estrada no Hino Nacional – sobre a questão. Por quê? Eis a questão!

O que se diz para os alunos é que suas aulas estão sendo reduzidas – nalguns casos, até suspensas – porque eles precisam desfilar para resgatar os valores. Mas, ao assim agirmos, não estamos exatamente sacrificando os valores os quais estamos indo pra avenida resgatar?!

A gravidade maior não é a redução ou suspensão de algumas aulas – elas podem ser repostas. O prejuízo, de fato – e de gravidade talvez incalculável – é a privação do aluno ao debate; é ele ser levado a fazer algo sem saber por que e para que – se bem que nós, os docentes, sabemos. Todos sabemos qual é, no contexto do controle e da exploração das massas, o papel de tradições como os “mitos fundadores” e os “símbolos patrióticos”. Os professores, melhor que qualquer outra pessoa, sabem que o pretexto de exaltação à Pátria tem outros fins bem menos nobres. Assim como sabemos que negar às nossas crianças e jovens o direito à problematização e ao debate de temas complexos e tão relevantes – especialmente no momento em que a sociedade brasileira convulsiona e pilares da civilização como tolerância, empatia, alteridade, liberdades de expressão, de pensamento e de manifestação, pluralidade... ameaçam se liquefazer – terá um custo, e não será barato: uma hora a fatura vai bater a nossa porta – e, certamente, será cobrada com juros. A questão é: estamos dispostos a arcar, amanhã, com o ônus de nossa indiferença hoje?!

Quem vai se acusar quando a fatura chegar?!