Nossa Atenas

Como acontece n'algumas cidades históricas, edifícios antigos e modernos se entrelaçam entre si. Aqueles como memória e estes como urgência da especulação imobiliária. Nossa história se passará em Atenas, onde a acrópole parece vigiar os prédios que vão sendo construídos enquanto lá tudo tende à imobilidade.

Certa noite, contam que os fantasmas de Aristóteles e Platão se encontraram em um bar. Depois de umas tantas taças de vinho, não ousaram beber cerveja, ambos começaram a se questionar sobre o que ocorreu com a cidade depois de dois mil e tantos anos. Quem puxou a conversa foi Platão:

- Acho que não estou em Atenas.

- E por que não estaria?

- Sei lá, só não me identifico com isso que vejo.

- Mas você não disse que os sentidos eram falhos?

- Sim, eu sei... Mas não é a mesma cidade. Admita, ela também não te intimida?

- Bem, a acrópole ainda está lá. Meio acabadinha, mas é ela. Disso não há menor dúvida.

- Olha Ari, eu sei que nós tivemos nossas brigas e que tem pontos nos quais a gente não bate, porém me entenda. Essa não é a NOSSA Atenas. Tudo aqui está impregnado de um vazio tão tóxico.

- Ela mudou, homem. Isso é da natureza. Substância e acidente.

- Tá, então me diz, o que fazia aquela Atenas ser a NOSSA Atenas?

- Nada. Atenas já estava dada como fato concreto, cara. Era a gente que a apreendida por meio dos sentidos e nesse processo se aprendia junto como membro de algo.

- Você é muito chato!

- O que eu fiz agora?

- Ari, a IDEIA daquela cidade era outra, a aura... Ali tudo tendia ao eterno. Olha lá a acrópole. Tá ali, ruínas! E mesmo esses monturo exposto sobressai disso aqui ao redor. Mas as pessoas passam ao largo.

- Platão, meu querido. É a vida. Todo movimento vai seguindo. Já ouviu falar de samba?

- Que é isso?

- É um ritmo que os bárbaros cantam. Mas tem um que diz: deixa a vida a me lavar... É isso. Se vocé fica procurando uma Atenas que só existe na sua cabeça, dá ruim. Vai por mim.

- Lá vem você criticar minha doutrina das ideias...

- Nao, rapaz. O que eu estou dizendo é que, vai, falando sua língua, a imagem sensível de Atenas sempre será inferior àquela Atenas ideal ou cidade ideal, sei lá. Por isso eu digo. Se prender é bobagem.

- Mas as pessoas, Aristóteles. Olha como elas se comportam. Parece que o tempo todo se preocupam com esse invólucro imperfeito. E ficam reproduzindo a própria imagem vez após vez. Não tem nada que as solidifique em nada. É só imagem. Cópia da cópia da cópia. Já ouviu falar de Instagram?

- Já.

- Então! Quer coisa mais vazio do que aquilo? E pra que?

- Sei lá. Tudo é mímese.

- Mímese, meuzovo!

E ficaram discutindo a noite toda. No fim Aristóteles teve que levar ele pra casa carregado. Se ele fosse vivo, teria pedido um Uber.