Hoje fiquei sem internet
Querido diário,
Hoje fiquei sem internet. Acho que você já devia suspeitar de alguma coisa assim, do contrário eu dificilmente teria tempo para escrever em você. “Diário” é um conceito relativo, pois um dia para o Senhor é como mil anos, e você deve admitir que eu não demorei tanto assim para voltar a escrever.
Mas eu dizia que fiquei sem internet, o que é só um pouco melhor do que ficar sem oxigênio, com o agravante de que a falta de oxigênio não demora a matar, ao passo que a falta de internet se prolonga às vezes por várias horas, às vezes por um dia inteiro, como foi o meu caso. Muitos pensamentos suicidas passaram pela minha mente e eu até pensei em ligar para o CVV, mas para saber o número eu precisaria consultar a internet. Acabei ligando foi para a NET, não sei se pode falar o nome da empresa aqui, acho que pode, o diário é meu, liguei para a NET e falei com uma sujeita que duvidava da minha capacidade de cognição. Eu entendi todas as indiretas dela para verificar se por acaso os aparelhos não estavam fora da tomada. Mandou então eu desligar tudo e ligar de novo, que é uma medida que às vezes funciona e eu queria poder aplicar também na minha vida.
Desliguei, tirei da tomada, liguei de novo e a mulher perguntou se eu já havia verificado, mas aí eu disse para ela ter calma, pois o meu computador é das antigas e demora uma eternidade para iniciar. Se eu pudesse, eu até colocava uma musiquinha para distrair a mulher e impedir que ela desligasse. Por fim, como era de se esperar, verifiquei que não havia sinal de internet, com o perdão do trocadilho. A mulher disse que ia fazer alguma coisa lá do lado dela, que eu não entendi direito o que seria, mas, se fosse para resolver, ela poderia fazer o que bem entendesse. Eu devia tentar de novo em meia hora.
Usei essa meia hora para olhar pela janela e assim descobrir, admirado, qual era o tipo de visão que eu poderia ter se quisesse olhar por ela naquelas horas em que estou muito ocupado usando internet. Você não vai acreditar, mas tem uma árvore na casa do vizinho. Depois de vinte e nove minutos, voltei a tentar e continuava não funcionando. Decidi então dar um crédito de alguns minutos, a gente está no Brasil, as coisas nunca estão prontas nas horas que se diz que estarão. Entretanto, dois minutos depois a situação ainda era a mesma, o que me fez ligar outra vez para a NET, cobrando providências imediatas.
Dessa vez, porém, eu não falei com nenhuma atendente, mas apenas com a Máquina. A Máquina é até bastante inteligente, considerando que não tem cérebro, e não demorou a me identificar, sem que eu tenha precisado dizer uma palavra. A Máquina também sabia onde eu morava, o que era um pouco temerário, mas ela procurou me confortar dizendo que o meu caso era só mais um, era banal, pois todo mundo ali na minha vizinhança estava sem internet. Disse que eles já estavam trabalhando no problema, o que me pareceu inútil, pois melhor seria trabalhar na solução. E a estimativa de retorno da internet era cinco horas da tarde, ou seja, dali a uns três meses.
Desliguei o telefone e, no meio do vazio que me assomou, tive ainda a sensibilidade de pensar na grande tragédia que tomava conta do meu bairro, pois é possível esperar tudo de um lugar onde todas as pessoas estão sem internet. Por via das dúvidas, tratei logo de fechar as janelas e trancar as portas. Liguei então a televisão. Você não imagina o tipo de coisa que passa na televisão naquelas horas em que a gente está usando internet. Cheguei a um jornal, mas nada falaram sobre a falta de sinal de internet no meu bairro. Que importância tem um jornal que não trata daquilo que mais me afeta no momento?
Passei o dia comend... Voltou! Voltou! Vou lá então. Tchau, diário, até a próxima queda!