MORTE QUE TROUXE VIDA

Daqui a alguns dias, mais um ano se concluirá na minha existência terrena. Serão dezenove anos vividos e um ano bem vivido. Não que no último ano eu tenha sido isentada de dor, dias ruins, amarguras ou perdas, muito pelo contrário! Descobri a depressão, ou melhor, a confirmei recentemente. E o que posso dizer? Simplesmente, que vivo melhor, agora!

Pode soar estranho, mas eu explico: a dor da depressão é amarga, pura, densa, forte e intensa. Senti o peso da solidão, carreguei o medo impossível: aquele de mim mesma. Rejeitei a minha identidade, quis findar a dor que eu não entendia, a dor desigual e covarde. Fui corajosa sendo covarde: acovardei-me diante da morte para dizer sim diante da vida! Conheci dois desejos contrários: o desejo de morrer e o de continuar vivendo, ambos simultaneamente.

Foram tantas sessões na terapia: em cada uma delas o preconceito cultural me abandonava em torno do psicólogo, e uma parte da minha dor ali permanecia. Não é que o sentimento não me acompanhasse, mas eu o encarava e conseguia entendê-lo e, assim, conviver com ele. Porém, não foi o suficiente, então, veio a parte mais difícil de aceitar: o psiquiatra e a medicação. Sinceramente, considero essa a parte mais dolorida e de maior vulnerabilidade minha.

Mas, até agora, não disse o porquê do ano mais bem vivido. Quer dizer, não está claro? O ano mais bem vivido de nossas vidas não é aquele submerso em bonança, mas é aquele pior, pois nos faz valorizar, ver a beleza dos bons.

Após tanta adaptação, tantas labutas, consigo enxergar tanta leveza no cantar dos pássaros, no vento que me toca; consigo ver tanta imensidão no mar, um infinito que se compara ao meu interior; consigo amar tanto sem interesse, sem esperar recompensa, sem hipocrisia. Como é bom acordar bem, sair sozinha, conseguir me alimentar e conseguir sentir o gosto de cada alimento! Como é bom enxergar tudo o que me rodeia, sentir o calor de cada abraço, ouvir a voz de cada amor que a mim foi concedido! Como é sublime viver.

E não, eu não estou totalmente curada. E confesso que muitas vezes me olho no espelho ou simplesmente “me olho”, e não me reconheço, seja pela fisionomia ou pelos pensamentos dominantes. As críticas são ruins, são! Mas cada quilo que compõe o meu corpo faz parte de um momento do qual somente eu sei o significado. Não é agradável, mas é quem eu sou agora. A leveza faz parte da aceitação com um desejo consciente de mudança.

Daqui a alguns dias, serão vinte anos curtos-longos. É, a depressão me ensina muito, principalmente, a buscar desesperadamente pela vida!

Andresa de Oliveira
Enviado por Andresa de Oliveira em 09/09/2019
Reeditado em 10/09/2019
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