Mentalidades de cadeia alimentar a igualdade universal
Hierarquia de identidades, novamente [e sempre]
João é miúdo e tímido. Se prepara para mais um dia de calvário na escola. Lá, ele sofre bullying. Não entende porque caçoam dele. Ele é um garoto legal, educado, estudioso e até engraçado. João tem a inclinação natural de tratar os outros da maneira como gostaria de ser tratado. Pena que a recíproca não é sempre verdadeira. Mas ele ainda não sabe que existe uma explicação até bem simples para o comportamento irracional dos seus coleguinhas lindinhos. João abrirá a página 65 do livro de ciências, no capítulo 8, sobre as cadeias alimentares. Um dos garotos que aterrorizam João, é bem mais alto e encorpado que ele, ainda que tenha metade do número de neurônios. Sua face é uma mistura de embotamento intelectual com sorriso de maldade e orgulho. Não acredito em milagres, e portanto não acho que este sujeito irá finalmente evoluir um dia, pedir desculpas a João por sua estupidez, de preferência com um chicote na mão para se deixar ser açoitado. Ele está embebido, ao nível do coma alcoólico, da mentalidade de cadeia alimentar, em que os sujeitos ou indivíduos dispostos em seus ambientes sociais são identificados de acordo com essa hierarquia de força bruta ou dominância cujos critérios são os mesmos que os da "selva". Homens mais altivos, arrogantes, insensíveis, são colocados no patamar de machos alfas, aqueles predadores que, a priori, não têm outros predadores. De dominantes. João cairia na categoria de ''macho beta, gama'' ou presa. Espera-se dele "atitudes de macho", como se ele não fosse. Mas, um dos presentes da inteligência humana é o aparecimento de indivíduos com capacidades reflexivas e introspectivas avançadas como as de João. De artista genuíno a cientista ético, deveriam haver mais Joãos no mundo e menos "primatas" humanos como o seu algoz. João não sabe mas trata os outros de acordo com suas identidades mais universais e básicas. Na mesma sala de aula, outro tipo filosoficamente caricato, Henrique, herdou, além dos bens de sua família abonada, o desprezo por aqueles que não tiveram a mesma sorte na vida. Espero o Henrique chegar à maioridade para lhe dizer que seu orgulho ou alienação de classe é em vão?? Que vai morrer como todo mundo?? Que, como o meu pai gosta de dizer, caga fedido como todo mundo?? Na mesma turma que João tem a Patrícia ou Paty e a Catarina. Paty é mais uma granfina metida à divindade. Ela é a versão alfa entre as garotas: frívola e insensível. Catarina usa óculos, tem cabelos castanhos, já fala inglês com certa fluência e tem vontade de militar pela causa animal. João e Catarina felizmente são grandes amigos. Dou voto que se casem e tenham muitos filhos. Eu entendi direito a teoria da evolução e da seleção natural. Precisamos mais destes do que de pessoas descompensadas que constroem castelos de areias para se sentirem bem consigo mesmos, e jogam areia nos olhos daqueles que identificam, ao mesmo tempo, como presas e ameaças. Pessoas mais sensíveis, inteligentes e virtuosas, costumam atrair a inveja e até um desejo de destruição por parte de tipos mais primitivos como esnobes classicistas e rambos com injúria cerebral.
Catarina não olha para uma borboleta apenas como um serzinho minúsculo e colorido, mas com o senso de irmandade, de saber que existe, que vive, assim como ela. Isso não é besteira sentimentaloide. É a mais pura, direta e constante realidade. É a sanidade máxima. Dinheiro, aparência social e orgulho. Tudo isso são distrações que deveriam nos ajudar a enfrentar a consciência pesada das verdades absolutas. Mas fazem parte de acessórios que o ser humano foi construindo, não um modelo social filosófico, mas um labirinto de mentiras, meias verdades, aproveitado por uma minoria mais esperta para parasitar em cima dos demais.
Níveis de consciência
A evolução continua com a humanidade, ao contrário do que sugere alguns teóricos, inclusive bastante populares. Nada mais absoluto que a evolução pela consciência, por sua capacidade de reconhecer a realidade, de saber diferenciar o que é frívolo ou acessório e do que é essencial. João e Catarina são do tipo de ser humano que reconhece o que é o mais importante na vida, viver, com respeito, conhecimento, maximizar alegrias, sem minimizar as dos demais. Sabem que só tem uma vida, que no final do dia, e de cada vida, somos todos iguais. Eles são muito jovens. Ainda podem me decepcionar. O nível de consciência em que estão, que já alcançaram, eu chamo de hiperrealismo. Geralmente, as pessoas comuns começam a senti-lo com mais força quando já estão idosas ou muito doentes, mais realistas sobre as verdades absolutas. Seus colegas dissonantes são mais para surrealistas e realistas, confusas criaturas híbridas, Frankensteins dos labirintos humanos, mais perdidos ou limitados, entre o que é essencial e o que não é, tomando as distrações como prioridades absolutas em suas vidas. Dinheiros com asas e sentimentos, estátuas que choram, vidas "inanimadas" e telas excessivamente abstratas, "conceituais", em que os valores são distorcidos e a moralidade se relativiza pela desigualdade de tratamento, desprezando o indivíduo e sua importância... Fascistas precoces, como o Sem-nome, desafeto do João, pensam exatamente como seres sem autoconsciência, sem a referência do outro e, portanto, de si mesmos. Ateus ou crentes, seus dias são dedicados ao culto de suas personalidades egoístas e primitivas, com pouca ou nenhuma percepção dos limites dos seus territórios individuais. Das vidas monocromáticas, geometricamente rígidas, ao surrealismo da alienação existencial, em que dinheiro/posses, ideologias e mitologias, são mais importantes que seres vivos. Até à superação de todas as alienações ainda que também com a dolorosa experiência de ser mais autoconsciente, sobre o que de fato estamos fazendo aqui, na realidade.