DO OUTRO LADO DA CERCA
Naquela manhã acordei pensando em quantos afetos nós perdemos durante a nossa existência.
Sem saber por que, viagei nas asas da lembrança e desembarquei nos anos cinquenta numa colônia de férias no bairro Tristeza em Porto Alegre, que ficava às margens do Rio Guaíba, local onde meusus pais costumavam veranear.
À época eu tinha uns 10 ou 11 anos de idade.
No princípio foi decepcionante porque não havia nenhum menino que eu pudesse brincar e as opções de lazer eram tênis de mesa e jogo de vôlei sendo que ambas dependiam de um parceiro.
Sem escolhas fiquei andando de um lado para o outro no pátio ou debruçado no muro onde avistava o rio.
Certo dia percebi que havia uma menina parada do lado de fora da cerca que limitava o terreno da Colônia com a rua. Ao aproximar-me vi que ela era uma menina linda e loura de olhos verdes.
Logo perguntei:
“-Como é teu nome?”
“- Vera e o teu?”
“- Gilberto.
A partir desse encontro passamos a nos encontrartodas as tardes, até que um dia a convidei para adentrar na Colônia e passamos a nos divertir com os jogos e assim criamos maior proximidade.
As vezes ficávamos sentados lado a lado à beira da praia ouvindo o barulhinho sereno do rio lambendo delicadamente as pedras enquanto sem nada dizer eu me entregava a um silencioso devaneio com os olhos fixados no horizonte.
Aqueles momentos traziam um indescritível prazer a minha alma, mas paradoxalmente me causavam uma enorme ansiedade porque não tinha coragem de declarar minha paixão por ela até porque Vera não sinalizava nenhum outro sentimento que não fosse a amizade que sentia por mim.
Surpreendentemente, parecendo que veio pra amenizar minha ansiedade, apareceu na Colônia o meu amigo Zé. Foi a partir daí que aprendi a nadar porque ele me emprestou uma boia de cortiça.
Também fazíamos competição pra ver quem aguentava ficar mais tempo embaixo d’água.
O Zé sempre ganhava porque era mais forte que eu.
Certo dia a Vera apareceu acompanhada por sua amiga Cristina. O Zé foi logo ficando de mãos dadas com a guria
enquanto que eu continuava preso e,torturado pela minha tiimidez.
A sequência da estória a memória apagou.
Zé, Vera e Cristina sumiram.
Até hoje persiste a ausência de Vera do outro lado da cerca enquanto do lado de dentro a imagem de um menino com um olhar triste e apaixonado.
( Homenagem póstuma a José Carlos Canabarro Valle)