Pra não dizer que não falei da sorte
Sexta-feira eu ganhei uma bolada num desses troços aí que descobrem nosso número de telefone sem mais nem menos: cem mil reais! Mais sorte do que ser filho de carroceiro com puta. Na pindaíba que ando, mais duro do que pau de tarado, fugindo dos prestamistas e donos de espelunca, até dez reais que caíssem nos meus ativos quebravam o galho. Mas ganhei cem mil. Cem mil! gritou o moço do outro lado da linha. Quanto? Cem mil! Metade das minhas dívidas seriam pagas. A outra metade teria que esperar novo lance da sorte.
- Desculpe a curiosidade, moço, mas essa dádiva vem da parte de quem?
- Do Baú da Felicidade.
- Que felicidade! Mas quem pagou meu carnê que nunca comprei?
- Ninguém. O seu telefone foi sorteado entre milhares de números. O senhor é um sortudo!
Olhei porta afora. Os cobradores faziam fila. Quem avisou a eles? Do outro lado da linha o moço explicou que para receber esse dinheiro era necessário que eu depositasse cinco mil reais numa conta da empresa. Era pra pagar o imposto de renda, disse-me o bom samaritano. Perguntei se não podia tirar dos cem mil, mas ele me disse que não, que os cem mil teriam que ser entregues sem descontos. Fazia sentido. Olhei a minha carteira murcha de cédulas, apenas algumas moedas de dez e vinte e cinco centavos que peguei emprestado de um ceguinho na porta da igreja. Pindaíba total. Tentei negociar, falei que tinha amigos na Receita Federal e coisas e tais, mas o cidadão estava irredutível: ou depositava ou nada feito. Era muito azar. Quando a gente está matando cachorro a grito os amigos somem.
Como só pude optar pelo nada feito, hoje recebi um e-mail do Bradesco me avisando que meu cheque voltou. Mais outra dor de cabeça. Clamei pelo meu super-herói preferido:
- E agora, quem poderá me salvar?
- Eu, seu otário! - gritou a minha cara-metade lá da cozinha - Não tá vendo que isso é um golpe, mané?! Desde quando você tem conta no Bradesco?!