UMA HISTÓRIA QUE ATÉ HOJE ME COMOVE.

Ontem com minhas netas no meu escritório em casa, as duas comigo, me ajudavam limpar os objetos e fazer mudanças de lugar dos mesmos. É muito grande o escritório, e a ajuda é sempre confortável, um mezanino, jirau, com visão para a sala de baixo da frente com espaçosos cem metros. Dentro dele cabe um desses apartamentos de hoje. Porém o mais importante era a alegre companhia delas, nos seus festivos doze e treze anos enriquecedores.

E pego um diminuto caldeirão de barro com o dizer Nossa Senhora Aparecida, colado nele em tira adesiva de papel. Paro tudo, chamo para que sentem, com a peça na mão e conto. Olha, esse é um objeto que tem uma marcante história para o avô de vocês. E quero que guardem na lembrança a solidariedade e compreensão que temos que ter na vida.

Eu era titular da Quadragésima terceira Vara Cível do Rio de Janeiro e abrindo-se uma audiência, já sentadas as partes, a autora a Ordem Terceira do Rio de Janeiro, grande proprietária de imóveis, e a outra parte uma idosa senhora de oitenta anos. Era uma ação que objetivava retomar o imóvel ocupado. Havia pela Ordem Terceira vontade de aumentar o aluguel, como a senhora não tinha como aumentar, queriam que ela saísse. Um processo de retomada de imóvel.

Seria um aluguel de mais ou menos sessenta reais, no total, com o aumento de vinte reais, um pequeno quartinho com cozinha e banheiro pequenos no alto de um velho prédio de escadas. No centro do Rio.

Perguntei se havia possibilidade de acordo e a Ordem Terceira por seu advogado disse que não, só com a majoração do locativo. A senhora disse que não podia pagar e com o atual aluguel já quase nada sobrava para o pouco de sua alimentação.

Fiz o máximo esforço para demover a Ordem Terceira do intento realçando sua natureza assistencial. Em vão.

Disse então aos advogados com o assentimento da senhora, que pagaria seu aluguel e depositaria na conta da Ordem Terceira em seu nome e à sua conta mensalmente, e o cartório se encarregaria disso. Um espanto geral. Os advogados surpresos disseram: mas excelência não precisa isso. Eu disse: não quero constrangê-los, mas não posso deixar essa senhora que ninguém tem por ela ser posta na rua nessa idade avançada. O fato me tem como testemunha. Silêncio geral. De advogados, estudantes que assistiam e serventuários. Os advogados disseram que sendo assim manteriam o locativo e desistiriam da retomada. Reduziu-se a termo o acordo.

E o principal, que falava às minhas netas atentas, e causa da crônica. Três meses depois, surge a senhora em meu gabinete anunciada, dizendo: doutor, umas senhoras da igreja me levaram a Aparecida, e lá lembrei do senhor e trouxe essa lembrança. Era a moeda do coração que poucos conhecem. Uma caldeirinha mínima de barro, de custo praticamente zero, que fulgura em meu escritório como um dos maiores galardões que ganhei em minha vida. Minhas netas choraram.E me abraçaram. São as passagens da vida que nos dão a razão de viver. Conforta olhar a caminhada,

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 07/09/2019
Reeditado em 07/09/2019
Código do texto: T6739465
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