O quase monólogo de um insone

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São exatamente duas horas e cinqüenta e três minutos do dia trinta e um de outubro do ano de mil novecentos e noventa e nove, pleno domingo. Já perdi as contas do número de vezes que bolei de um lado para outro da cama, inutilmente, sem conseguir adormecer (na verdade de um meio lado da cama porque minha esposa guarnece muito bem a outra metade).

Sinto-me um noctívago estático que não vagueia na noite, mas pendula angustiado vendo-a passar: de um lado para o outro; do outro para um... Quem pendula sou eu. A noite apenas passa lentamente. Ah! Sono maldito que não vem!

Três horas e oito minutos. Às duas horas tive que acordar minha esposa para que ela desse 5ml de Celestamine à minha filhinha enferma – um sintomático contra reações alérgicas que, segundo o Senhor doutor médico, pode causar alergia. Sem comentários.

Ela levantou, foi ao banheiro, claro, fazer pipi. Acordou a criança que esperneou e chorou antes de tudo. Deu o remédio; foi à cozinha buscar a água solicitada pelo nenenzinho do papai adoentado e, incrível, já estão dormindo novamente.

Eu assisti a tudo calado e feliz. Esperava ter uma companheira para conversar. Tudo bem. Eu sei que não era hora de conversas. Que ficasse pelo menos acordada comigo! Afinal, somos um casal. Não me devia deixar às claras sozinho, não é verdade?

Três horas e quarenta e dois minutos. Dei uma rápida pausa a fim de venerar minha rinite alérgica. Aproveitei para tomar a medicamentosa trilogia homeopata: Hydrastis Composto, Allium Composta e Paulinea Composta.

Nossa! Esqueci que estamos no horário de verão... três horas e quarenta e nove minutos são, então, duas horas e... Ah! Meu Deus! Terei uma hora a mais de suplício até o dia amanhecer. Isso lá é hora e época de sentir insônia! Logo em dias de horário de verão!

O galo está cantando às quatro horas e trinta e quatro minutos. É doença de família mesmo. Eu sou Pinto, fazer o quê? Ao menos não estou acordado sozinho.

São seis horas da manhã. Minha filha está ensaiando um choro. Vou ver se está bem.

(Já no quarto)

Que cama gostosa. Deve ser maravilhoso adormecer tranqüilamente a noite inteira, ter um sono normal – pensei, observando mãe e filha bem adormecidas.

O sol é descoberto no horizonte e desabrocha lentamente. Aproveitarei a luz do dia a iluminar-me e sonharei que estou dormindo.

Sete horas da manhã. Minha esposa está despertando. Espreguiça-se:

– Bom dia! Dormiu bem, meu amor?

Fortaleza-CE, 31 de outubro de 1999, às 07h00min.

Do meu livro 'Crônicas e mais um conto.'