MATURIDADE SIMPLES. VISÃO.

Qualquer coisa havida além do que precisamos é veneno. Precisamos repartir uma porção do que sobra. Que possa não ser muito, mas que seja algo. Nada que excede de forma importante enquanto falta para outros pode trazer felicidade e alegria. E até mesmo e principalmente quanto aos mais próximos. Resume-se na visão madura e simples.

Chegará o momento de cruciar o que foi negado de doação em favor de retenção desnecessária, ocorrendo. É como a punição que o avarento impõe a si mesmo, não gosta de si não pode gostar de ninguém. Recusa o “ama ao próximo como a si mesmo”. Prevalece o trunfo da acumulação maior. Sua insensibilidade não reconhece o desvio.

Em algum momento descerá sobre o existir pena maior que a avareza, severa pena. Por quê? Porque quem não ama existiu sem ser; não foi nem é. Surgindo essa consciência, se surgir, será tarde. Uma existência sem distinguir o gosto azedo, féleo de sua conduta.

Difícil, ponto central, aceitar as pessoas como elas são. É assim o avaro, não só com bens materiais, mas com sentimentos. Configura tolerância e respeito com o que não concordamos. Sem esse exercício instala-se o ódio, sentimento que transforma o homem em besta.

Parar de se comparar com os outros e pretender alcançar os outros sem sermos os outros, faz parte desse arquivo pessoal, é ponto de encontro de você com sua verdade. A aceitação do que é, como é e o que lhe foi concedido, é partida para chegar a algo que não frustre a vontade, a essência procurada, que vive e sobrevive em todos, mas que necessita ser encontrada, ao menos buscada. Mesmo sem percepção o homem procura o melhor, persegue o que lhe é mais favorável, os meios são legítimos ou não. Ninguém se afasta ou fica longe do inevitável.

Maturidade espiritual é quando você entende o que faz em ação e conduta para satisfazer a si mesmo e não aos outros. Sem isso engana a si mesmo e aos outros. Visa realizar sua paz e não querer provar para os outros sua inteligência. Sua inteligência, no grau que a tem, é só sua, e nada vai mudá-la. É distinguir entre precisar e querer.

Temos a autocrítica como trabalho de análise dos mais árduos e difíceis. Mais serenidade e imparcialidade devem ser as características dos que se dedicam ao delicado mister de desvendar o sentimento alheio, para burilar o sentimento próprio, ora límpido através da linguagem escrita, não raro tisnado pela dureza da forma, muitas vezes incompreendida pela prevenção dos espíritos desaparelhados, quase sempre ironizado pelos cérebros sem cultivo e dos corações escravos do riso que zomba e inimigos da lágrima que emociona.

Hoje a crítica tem fóruns de ciência. Funciona como química das abstrações. Há esse traslado conceitual da verdadeira crítica antiga até nossos dias, caminhante pela deformação, basta ler os clássicos. Ao menos em minha percepção.

Química das abstrações equivale à decomposição do todo, sem reagentes impróprios, à perfis literários com abstração de pessoas, nacionalidade ou qualquer outra circunstância que em nada influa no método intrínseco em uma produção em prosa ou em verso. Esse poder de abstração, infelizmente, nem todos possuem. Daí os desmandos, as aleivosias, as críticas desarrazoadas, destruidoras. Sem largueza some o espaço e assume a asfixia.

Criticar é aplaudir, construir, edificar, fazer crescer o pensamento universal.

Penetrar a alma do escritor, visitar profundamente seus sentimentos, hauri-los, sondar seus íntimos que sobejam nas entrelinhas, as ideias recalcadas que traem a intenção e sequestram o silêncio, nessa andança que descobre o meio e o tempo em que viveu o escritor, enfim, examinar todas as influências para emitir um juízo crítico seguro; eis a tarefa nobre e difícil.

E quantas surpresas! Os grandes inquietos e complexos espíritos, gênios ou quase gênios desafiaram a sagacidade de espíritos que rondam. Suas luzes clareiam outras regiões desconhecidas. A psique humana se põe à mostra para o verdadeiro crítico, ele conhece a alma, mesmo à distância de sua análise. É como o mineiro que desce às mais absconsas profundezas à procura do veio a ser descoberto. Lá está a luz refletindo a descoberta da busca febril. O pensamento só se esplende e se dilata em interpretações quando se lhe toca a essência desvendando-se os segredos recônditos. São degredados da vontade consciente. Se aninham egoística e vaidosamente no coração dos artistas da palavra.

Procurar o filão sinuoso que ora rebrilha, ora desaparece mergulhando na terra, reencarnando-se na pedra, é o trabalho da boa crítica que se funda na maturidade simples.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 04/09/2019
Reeditado em 09/01/2021
Código do texto: T6737033
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.