A angústia exerce forte impacto sobre a cultura ocidental e, ainda, uma sedução considerável, tanto que a primeira metade do século XX foi especialmente preciosa em abordagens diversas, desde as literárias, filosóficas, psicológicas, sociológicas e até antropológicas.
 
Segundo Favez-Boutonnier[1] que considera a angústia como "a única escola que nada acrescentou à psicologia".
 
A angústia é tema muito debatido, mas que padece infelizmente de certa incerteza terminológica, que talvez bem revele o seu modo de ser tão enigmático na experiência que pretende denominar.
 
As traduções inglesas ou alemãs da palavra francesa não conseguem abranger o mesmo campo semântico. Afinal, no idioma gaélico, quando um atento escritor escolhe entre medo, ansiedade, angústia e pavor, para enfim, ater-se dentro de uma vasta lista, os quatro termos, mas que é guiado por um instinto estilístico razoavelmente mais prudente do que atrelado às categorias científicas firmes.
 
Caso a linguagem humana permitisse uma real descrição exata do que seja a essência de cada sentimento, seria nessa direção que buscaríamos a solução. Desta forma, a angústia poderia ser descrita a priori como uma emoção de aflição e de solidão.
 
O angustiado não é apenas impotente diante da certeira ameaça que o cerca, mas, também se sente abandonado, uma derrelição.
 
A angústia se caracteriza por ser forte sensação psicológica que se traduz um abafamento, insegurança, falta de humor, ressentimento e dor. Pela moderna psiquiatria é considerada uma patologia que pode acarretar sintomas psicossomáticos.
 
Também é uma emoção que antecede a algo, pode ser um fato, ocasião e circunstâncias... É possível alcançar angústia através de traumáticas lembranças que tanto dilaceraram e fragmentaram o ego. E, corrompe a personalidade.
 
Filosoficamente a angústia foi abordada por Arthur Schopenhauer[2] que nos trouxe uma visão extremamente pessimista da vida. pois viver é necessariamente sofrer.
 
Por mais que se almeje conferir algum sentido à vida, em verdade, esta, nada possui de sentido ou mesmo finalidade. A própria vontade é um mal. E, desejamos vencer e sempre vencer. Porém, a vontade gera a angústia e a dor e, os mais tenros momentos de prazos, por mais profundos que possam ser, são apenas breves intervalos num oceano de infelicidade.
 
Depois, Friedrich Wilhelm Nietzsche[3] concluiu que, dentre todos os povos da Antiguidade, os gregos foram os que apresentaram maior sensibilidade para melhor compreender o sofrimento e a tragicidade da existência humana, como que permeada pela dor, solidão e morte.
 
No entanto, os mesmos gregos criaram a sociedade baseada no princípio do equilíbrio, pois nada em demasia pode combater todos os nossos instintos e paixões.
 
E, assim, a arte é concebida como catarse. E, dessa forma, surgiram as tragédias gregas[4] que, enquanto arte da representação e da aparência, nos colocam ainda hoje em contato com toda tragicidade e angústia de nossa existência.
 
Segundo o filósofo alemão[5] é preciso ter consciência de que a vida é sim, uma tragédia, para que possamos desviar um instante os olhos da nossa própria indigência, desse nosso horizonte limitado, colocando mais alegria em nossas vidas. A arte tem essa função.
 
Jean-Paul Sartre[6], um filósofo francês contemporâneo, e que foi representante da corrente existencialista e defendeu que a angústia surge exatamente em que o homem percebe sua condenação irrevogável à liberdade, ou seja, o homem está condenado a ser livre, posto que sempre haverá uma opção de escolha. Portanto, o ser humano é essencialmente angustiado ao saber que é o senhor de seu destino.
 
O Pai da Psicanálise, Freud realizou ciosos estudos sobre o problema da angústia e pode observar o quão suscetível é o Ocidente, principalmente em doenças como esquizofrenia[7]. A mais importante colaboração da Psicanálise para analisar a angústia foi a localizar no conflito interno entre as três instâncias psíquicas fundamentais, a saber: as vontades (id) que vivem em constante atrito com o instinto repressor (superego).
 
E, o balanço entre as vontades e as repressões tem que ser buscado pelo Ego, correspondente a consciência. Afinal, é o ego que analisa a real possibilidade de pôr em prática uma ação desejada pelo Id. Assim, caberá ao ego a busca do equilíbrio entre as partes da psiquê humana, não obstante entre o sujeito e o todo social[8].
 

[1] Juliet Favez-Boutonnier (1903-1994) foi acadêmica francesa, psicóloga e psicanalista. Escreveu teses sucessivas sobre ambivalência e angústia. Tornou-se membro do SFP (Sociedade Francesa de Filosofia) na tradição de Pierre Janet, trabalhando para que a psicanálise fosse aceita na academia como forma de psicologia. Tendo apoiado Margaret Clark-Williams em sua disputa com a profissão médica por análise leiga, em 1953, juntou-se a Daniel Lagache ao se separar do SFP em protesto pelo que eles consideravam procedimentos de treinamento com excesso de medicação.  Em 1964, ela retornaria com ele para o abrigo do IPA na recém-criada Associação psicanalítica da França. Após os eventos de maio de 1968 na França, seus esforços para estabelecer uma seção de ciências sociais clínicas na academia foram finalmente coroados de sucesso.
 
[2] A proposta de Schopenhauer para superar a dor encontra apoio na filosofia oriental, em especial naquela representada pelo budismo:  trata-se da negação (ou superação) da vontade individual, que é cega e insaciável. Seguindo as considerações do filósofo, os meios para que o indivíduo possa superar a vontade individual residem na experiência artística que conduz à genialidade, a qual mantém uma relação autêntica com a capacidade intuitiva do ser humano. A genialidade é a capacidade de se manter na esfera da intuição e se libertar da força da vontade individual.
Arthur Schopenhauer (1788-1860) filósofo alemão do século XIX, mais conhecido por sua obra principal "O mundo como vontade e representação" (1818) em que este caracterizou o mundo fenomenal como produto de cega insaciável e maligna vontade metafísica. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o pensamento indiano e alguns dos conceitos budistas na metafísica alemã.  Foi fortemente influenciado pela leitura das Upanishads, que foram traduzidas pela primeira vez para o latim no início do século XIX.
 
[3] Em “O nascimento da tragédia”, seu primeiro livro, o filósofo alemão pensa a tragédia grega assim como a arte, de um modo geral como sendo o produto da união de duas tendências artísticas antitéticas, mas complementares entre si: o apolíneo (forma) e o dionisíaco (embriaguez). Trata-se de uma leitura voltada para a raiz exclusivamente religiosa da tragédia.
Em sua abordagem, Nietzsche fixa o seu olhar na feição arcaica do teatro grego e vê a origem da tragédia no coro ditirâmbico, o qual considera como a imagem refletida do homem dionisíaco. Para ele, a tragédia grega é a manifestação do dionisismo, ou seja, da aceitação plena e entusiasta da vida tal qual ela se apresenta; da quebra de todas as barreiras que envolvem os homens; de sua reintegração com a natureza e seu retorno a uma espécie de Idade de Ouro, em muito parecida com aquela ilustrada na peça “As bacantes”, de Eurípides.
 
[4] Poderemos distinguir três tragediógrafos em especial: Ésquilo, Sófocles e Eurípides. A partir deles, se seguirmos a argumentação de Nietzsche em O nascimento da tragédia, notaremos uma secularização da temática da tragédia, com uma extrema racionalização e com o destaque de seu potencial pedagógico e moral.  
Como poderemos observar, o tema como celebração religiosa inicia com as ocorrências divinas de Ésquilo, para com Sófocles passar a uma tematização do conflito entre o humano e individual e o divino e inexorável, culminando, finalmente, na tragédia de Eurípides e sua função de organização sociopolítica.
 
[5] O trágico ou a visão trágica do mundo aparece como um conceito fundamental ao longo do percurso intelectual de Nietzsche. Mas, especificamente, esse tema encontra-se elaborado no primeiro e terceiro período de sua obra. Quando publica seu primeiro livro: O nascimento da tragédia, em 1872, ainda sob a influência de Schopenhauer e Wagner, o trágico aparece como uma força negativa.
Nesse momento, Nietzsche estava preocupado em produzir uma crítica radical à filosofia racionalista de Sócrates e Platão, resgatando a arte trágica dos gregos como argumento para combater a razão. Ao apresentar suas hipóteses interpretativas sobre o nascimento, apogeu e morte da tragédia, ele teve a intenção de analisar o mundo moderno e apontar, a partir da comparação com os gregos, as consequências e os desdobramentos da hegemonia do pensamento socrático/platônico na construção da civilização ocidental.
 
[6] Os dramaturgos franceses Jean Giraudoux e Jean-Paul Sartre revisitaram o legado trágico grego e escreveram as peças Électre (1937) e Les mouches (1943), respectivamente. Ambos os autores se debruçaram, em seus textos, sobre os mitos que narram os trágicos acontecimentos ocorridos no palácio de Agamêmnon: o assassinato de Clitemnestra por seus filhos, Orestes e Electra. Para analisar e cotejar entre si as peças de Giraudoux e Sartre no intuito de nestas levantar os elementos que apontam para as relações tanto entre mito (pensamento mítico) e logos (razão teórica) quanto entre mito e tragédia moderna, e, ainda, evidenciar o fato de que o texto de Sartre, além de dialogar com o legado grego, constrói-se em contraponto filosófico ao drama de Giraudoux.
Para alcançar nossos objetivos, partimos de uma reflexão sobre o fenômeno do mito sob as perspectivas da filosofia da linguagem, do sagrado, da antropologia e da literatura, formando um conjunto teórico que buscamos articular às teorias do drama de Aristóteles e Hegel.
 
[7] Eugen Bleuler em 1911 estabeleceu as bases para o conceito nosológico e nosográfico do quadro conhecido como esquizofrenia. Sendo influenciado pela psicanálise freudiana, através de Jung, que era seu principal assistente e o líder de aproximação da psiquiatria à psicanálise. Correspondente à fragmentação do ego.
 
[8] Na maioria das vezes, a formação moral de uma determinada sociedade não ocorre mediante uma reflexão ética racionalizada, a partir de uma construção filosófica, e sim a partir de uma educação baseada em exemplos, de uma adaptação ao meio, através de, por fim, uma educação moral que pode ter as produções culturais de um contexto específico como via de veiculação de normas de conduta em sociedade.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 04/09/2019
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