O MAIOR EVENTO DO ANO

Foi em Fátima,no dia 12 de Maio de 2017 em que havia uma noite fresca no Santuário que recebia milhares de peregrinos e que o canal de televisão oficial transmitia numa cobertura worldwide.

O Papa chegara ao fim da tarde e dirigia-se à célebre Capela, altar do mundo católico para orar pelos pecados do Homem.Celebrava-se o centenário das Aparições.

Estavam presentes Ministros e altos dignatários, celebridades vindas de vários continentes, recolhidas e a rezar por entre a vasta multidão .

O momento foi único e impressionante.Mais de mil velas brilhavam na noite, iluminavam e deixavam um rasto no céu.Pairava um silêncio imponente, entrecortado apenas por cânticos suaves,

Durante toda a transmissão,pontuaram grandes planos do popular cantor vestido de negro, de cabeça baixa que vinha agradecer comovido a cura do cancro que tivera alguns anos antes.A dama colunável que renascera espectacularmente do lifting, escondida atrás do véu, grave e anónima.

No dia 13, o Chefe de toda a Igreja presidiu à canonização das crianças videntes, a missa foi celebrada em várias línguas e a partida de Francisco com honras de Estado foi igualmente acompanhada pela televisão.Então estranhamente,mal o avião descolou, o Sol desapareceu e começou a chover.O caos e a desordem instalaram-se com os transportes e os peregrinos que se tinham deslocado para assistir às cerimónias e pretendiam regressar a casa.

A essa hora em Kiev, na Europa de Leste,o jovem e improvável representante de Portugal preparava-se rodeado de uma apertada segurança para entrar no grande recinto acompanhado da irmã, que tinha composto e escrito, letra e música, a belíssima mas dolorosa balada que passara inesperadamente à Final do Concurso de Música mais visto.

Durante mais de meio século alguns dos melhores poetas, músicos, maestros, cantores e bandas tinham dado o melhor do seu talento, e partido invariavelmente com falsas esperanças para Copenhaga, Viena , Madrid, Londres e todas as capitais de Europa que a seguir a terem ganho, serviam de anfitriãs ao espectáculo do ano seguinte.

O país cantado Portugal ficava sempre nos últimos lugares ou perto disso, digamos que já conformado com a sua constante e perene humilhação.

E, de súbito, naquela noite em que o país se sentia como que abençoado com Fátima e a vinda do Papa , o jovem interprete,que tinha faltado a cerca de metade dos ensaios a recuperar de operações a hérnias e com o coração a precisar urgentemente de um transplante, sozinho, num pequeno palco circular e apenas com uma vista de floresta projectada ao fundo, sem nenhuns efeitos especiais, arrebatou, sem se saber bem como, a melhor classificação de sempre no certame.

- Não estou a acreditar!

- Não é possível!

- Alguma coisa se passou…

-Milagre…Foi um milagre!

Foi também a loucura total.

- F…-se, estamos tramados.Para o ano, a merda do Festival é em Lisboa e eu não sei se temos recursos para organizar uma coisa destas. – teria berrado coberto de razão e lucidez, um executivo da Televisão, à beira do ataque de nervos.

Um ano depois, centenas de artistas chegavam à capital com as suas delegações,espectadores e fãs do evento esgotaram os hotéis, os restaurantes multiplicaram o seu negócio, táxis e metros andaram "numa fona", entraram a voar divisas para a balança de pagamentos e impecavelmente organizado e com uma poupança nunca vista, o país conseguiu oferecer um grande espectáculo musical com cerca de quarenta e tal países a concorrerem.

O flash das cenas passou veloz pelo ecran.O Altice, o maior recinto para concertos, cheio a rebentar pelas costuras, a multidão ululante a atingir as raias do histerismo, as quatro beldades apresentadoras que mudaram de vestido vezes sem conta, a loura simpática que ficou quase com os seios à mostra durante uma dança executada num momento da apresentação, o desfile das canções montra de uma larga diversidade com vikings, ópera, rap, rock, metálica, efeitos de luzes nunca vistos, entrevistadores e comentadores in and out, mensagens subliminares e expressas, uma feira, espreitadelas ao green room,postais turísticos, uma confluência e até um invasor do palco para arrancar o microfone à cantora inglesa e tentar um arremedo de palavra de ordem, tudo por um segundo de fama, o fado e a batucada afro , o encontro emocionado do ex vencedor com o seu ídolo brasileiro, os dois países ligados num segundo raro de afecto e admiração mútuos.

Muita gente tola a comentar e a opinar, as redes sociais cheias, a destilarem o que de pior existe na doente mente humana, choça de despejos ressentidos, invejosos e mal intencionados.

Portugal voltou a ficar em último.Para muita gente, a canção de facto não prestava, “amor” a rimar com “redor” apesar dos esforços da jovem interprete de cabelo côr de rosa, e cujo apuramento se tinha feito talvez à custa de falsas acusações de plágio, de ultrapassagens duvidosas, enfim…da comédia e miséria humana que se repete invariavelmente, sempre.

Na semana seguinte ainda se discutiam resultados, toilettes, incidentes e possíveis explicações para a vitória controversa.

Depois tudo se esfumou devagar e lentamente com outras notícias mais espalhafatosas, escândalos e agressões no futebol, perspectivas do futuro casamento real britânico.

A multidão, uma horda de formigas virou as antenas.Para um lado e depois para o outro.Afinal para onde lhe acenavam.Distraíam.Manipulada.Inconscientemente obediente.

- Somos …pobres diabos – pensou com infinita sabedoria Henrique, o psicólogo da moda sentado, só, à mesa do restaurante de luxo onde tinha acabado de almoçar , bebido e comido à farta que nem um lorde.

E sem querer deixou escapar uma grande eructação,em alto e bom som que surpreendeu, encantou e provocou uma gargalhada geral a toda a seleccionada clientela presente.

José Manuel Serradas
Enviado por José Manuel Serradas em 01/09/2019
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