DA MEMORIA DOS CÃES
Texto de 2012
No pequeno prédio onde moro, sem áreas de lazer, sem piscina... os moradores aposentados e/ou cuidadores de familiares idosos saem muito pouco de casa, alguns quase nunca, enquanto os demais vão logo cedo para os respectivos trabalhos e costumam voltar após às 18 horas.
Quase todas as tardes vejo, da minha janela, um casal de senhoras – mãe e filha – a passear com o seu cãozinho, cãozinho muito ensimesmado, mesmo austero, austero demais para sua idade – presenciei, por acaso, a chegada dele, ainda bebê, há cerca de três anos, no colo da senhora mais jovem. Nunca havia ido ao apartamento delas, mas, precisei fazê-lo na semana passada para lhes entregar uma carta que havia sido colocada na minha caixa de correio por engano.
Muito gentilmente fui convidada para tomar um café. A sala, parecida com a minha pela presença de estante até o teto e do computador que dá para a janela de frente à “minha” paineira (na verdade, ela é de todos que habitamos este prédio e dos outros todos, nos prédios em volta).
Ao tocar a campainha, fora anunciada previamente às moradoras pelos fortes latidos do seu austero cãozinho. “Então ele late?” pensei. Quando a porta se abriu, o “rapaz” me olhou fundo por um momento e então, voou ao meu pescoço. Voou para beijar-me, literalmente. Durante todo o tempo – não mais que dez minutos - em que permaneci ali, o cãozinho não me deu um segundo de sossego, como se estivesse a recepcionar alguém muito amado que não visse há muito, muito tempo.
A senhora mais velha, observou: “Que curioso, nunca o vi agir assim com ninguém estranho...”
A senhora mais jovem esclareceu: “Como ele podia esquecer de quem lhe salvou a vida?”
Minha memória deu um estalo, ai como a gente se esquece das coisas...
Há cerca de um ano, à noite, havia descido ao térreo, creio que para olhar a correspondência. Foi então que o vi, ao cãozinho, parado diante da porta de entrada do prédio. Meu Deus, se alguém entrasse naquele momento, ele poderia sair e se perder, ser atropelado, sabe-se lá mais o quê! Por instinto natural de proteção a uma criança, a um ser em perigo, aproximei-me e lhe perguntei o que ele estava fazendo ali. Olhou-me fixo e não respondeu. Então, eu ordenei “Vamos para casa, rapaz”! Abri a porta do elevador e fiquei aguardando. Ele me obedeceu, incontinenti. Subimos até o seu andar e o entreguei à senhora mais jovem, que já estava assustada com o sumiço do menino das duas. Passou-lhe um pito daqueles e me agradeceu do fundo de sua alma.
Eu havia esquecido completamente o episódio, o cãozinho austero não, por isso recebeu-me com todo o calor e o carinho que os cães têm sempre para com seus donos e para com seus amigos.
Escrita terminada no início da tarde de 28 de maio de 2012.
P.S. O cãozinho desta crônica, infelizmente, morreu no ano passado, em 2013. Morreu de repente, do coração.(Nota de 02 de abril de 2014).
Quase todas as tardes vejo, da minha janela, um casal de senhoras – mãe e filha – a passear com o seu cãozinho, cãozinho muito ensimesmado, mesmo austero, austero demais para sua idade – presenciei, por acaso, a chegada dele, ainda bebê, há cerca de três anos, no colo da senhora mais jovem. Nunca havia ido ao apartamento delas, mas, precisei fazê-lo na semana passada para lhes entregar uma carta que havia sido colocada na minha caixa de correio por engano.
Muito gentilmente fui convidada para tomar um café. A sala, parecida com a minha pela presença de estante até o teto e do computador que dá para a janela de frente à “minha” paineira (na verdade, ela é de todos que habitamos este prédio e dos outros todos, nos prédios em volta).
Ao tocar a campainha, fora anunciada previamente às moradoras pelos fortes latidos do seu austero cãozinho. “Então ele late?” pensei. Quando a porta se abriu, o “rapaz” me olhou fundo por um momento e então, voou ao meu pescoço. Voou para beijar-me, literalmente. Durante todo o tempo – não mais que dez minutos - em que permaneci ali, o cãozinho não me deu um segundo de sossego, como se estivesse a recepcionar alguém muito amado que não visse há muito, muito tempo.
A senhora mais velha, observou: “Que curioso, nunca o vi agir assim com ninguém estranho...”
A senhora mais jovem esclareceu: “Como ele podia esquecer de quem lhe salvou a vida?”
Minha memória deu um estalo, ai como a gente se esquece das coisas...
Há cerca de um ano, à noite, havia descido ao térreo, creio que para olhar a correspondência. Foi então que o vi, ao cãozinho, parado diante da porta de entrada do prédio. Meu Deus, se alguém entrasse naquele momento, ele poderia sair e se perder, ser atropelado, sabe-se lá mais o quê! Por instinto natural de proteção a uma criança, a um ser em perigo, aproximei-me e lhe perguntei o que ele estava fazendo ali. Olhou-me fixo e não respondeu. Então, eu ordenei “Vamos para casa, rapaz”! Abri a porta do elevador e fiquei aguardando. Ele me obedeceu, incontinenti. Subimos até o seu andar e o entreguei à senhora mais jovem, que já estava assustada com o sumiço do menino das duas. Passou-lhe um pito daqueles e me agradeceu do fundo de sua alma.
Eu havia esquecido completamente o episódio, o cãozinho austero não, por isso recebeu-me com todo o calor e o carinho que os cães têm sempre para com seus donos e para com seus amigos.
Escrita terminada no início da tarde de 28 de maio de 2012.
P.S. O cãozinho desta crônica, infelizmente, morreu no ano passado, em 2013. Morreu de repente, do coração.(Nota de 02 de abril de 2014).