Pérolas & Tolices

   
 
À medida que envelheço,  percebo que, talvez,  a melhor parte da vida esteja nas besteiras que fizemos no passado. Eram tolices, mas tornaram-se pérolas com o tempo.
 
Somos instantes eternizados nas lembranças. Perdi muitos "instantes", pois deveria ter beijado o garoto que me fazia sonhar acordada. Por que não o fiz? Faltou coragem para encontrá-lo.  Teria mudado a minha vida? Não. Eu apenas não me lembraria dele como o garoto que não beijei. Seria um arrependimento a menos, pois das coisas que fiz ainda não me arrependi.

Os anos 80 foi um período de transição entre gerações. O acesso das meninas  aos meninos era dificílimo. Além disso, o sexo oposto era uma incógnita! Tudo era imaginado. O primeiro beijo, a primeira transa ( se ocorresse), o fantasma de ficar  "falada" ou "moça velha". Enfim, só as incertezas e curiosidades nos moviam.

Como doía se apaixonar na adolescência! Acho que dói em qualquer idade, mas com os anos aprendemos a confiar na cura do tempo. Relembro coisas que fazíamos e, apesar de serem absurdas, são pérolas do passado de uma geração. Ouço histórias dessa época e,  quando contadas sem hipocrisia, são semelhantes em diferentes regiões do país. 


São tempos diferentes. Veja, por exemplo, que o fetiche por seios grandes é coisa recente no Brasil. Nos anos 80 ainda predominava a mulher violão com cintura fina e bumbum grande, ser "chulada" não era nada bom, mas não se tinha academia pra definir nada, fazer cintura e ficar com barriga definida era na base de fazer "simpatias" como encostar a barriga na parede para que a parede ficasse com a barriga grande e a da pessoa ficasse tanquinho, rs.  Fechar a boca não fazia parte do cardápio!

Era aterrorizante ter seios grandes e ser chamada de peituda. Assim, as supertições  eram bem - vindas. Eu fazia uma muito prática: toda sexta-feira colocava nos seios uma xícara do tamanho que queria que eles ficassem. Provavelmente devo ter trocado o tamanho de uma das xícaras porque acho que um ficou maior que o outro, rsss.

Mas as melhores simpatias era com os garotos que "amávamos". Além de brincar de "cai no poço", que nada mais era que um disfarce pra  ficar perto e tirar proveito com a famigerada fórmula da pera, uva ou maçã, servia para desenvolver laços de confiança e amizade, pois aprendi o quanto vale uma amiga nessas coisas do coração. Sempre escolhia a fruta e o garoto certo com a ajuda das amigas.
 
Uma das inúmeras simpatias para fazer o "escolhido" gostar da gente  era escrever  o nome do garoto num papel junto ao da garota que o queria  e congelar. Essa nunca fiz porque não tinha geladeira lá em casa, mas acabei descobrindo outra que era colar o nome do garoto com melado de açúcar, ficava mais duro que pé de moleque. Haja açúcar!
 
Outra que fiz foi colocar o meu nome junto de um garoto numa vela e deixar  queimar  até derreter. Antes, porém, tinha que pingar três pingos de vela quente nas mãos (masoquismo). Com certeza parece coisa de gente maluca! Provavelmente, se fosse hoje, seria caso para psicólogos ou internação compulsória. Para nós era simples processo de descoberta e de como lidar com emoções novas. Simples transição entre ser criança, adolescente e adulto.
 
Ah,  já ia me esquecendo que quase toco fogo na casa. A vela queimou, a casa quase queimou e o garoto nunca apareceu.

Se deixasse a sandália emborcada com o nome do garoto escrito ele teria que  chamar a garota para sair ou naão consiguia dormir. Os filmes de zumbis deve ter vindo dessas simpatias! (essa eu não fiz porque diziam que se deixasse a chinela emborcada a mãe morria, melhor nem arriscar! nenhum garoto valia a vida da minha mãe).

Já  colocar o nome do garoto debaixo do travesseiro era ótimo! Se ele sonhava ou não nunca fiquei sabendo. Pedir pra estrela caindo que trouxesse o grande amor era a mais básica de todas.  

 
Mas, nada se comparava a  treinar beijo. Meninas beijavam meninas, não no sentido erótico, mas para saber como deveríamos nos comportar quando fôssemos sair com um menino, era do tipo: como não bater os dentes, posição da boca, onde colocar as mãos.... essas coisas que pareciam um mistério.

Beijar os braços simulando beijo era outro passatempo.  Beijávamos tanto que ficava roxo. Pensando bem... se um garoto fosse beijado com a intensidade que beijávamos os braços ele morria. 
Sinceramente, beijar braço era a coisa mais besta e sem emoção do  mundo, rs. Serviu para  eu aprender que beijo ruim é pior que beijar braço. Beijo tem que ter emoção, beijo técnico é uma bosta, melhor nem beijar. 
 
A cumplicidade e lealdade entre amigas tinha que existir, pois era preciso a ajuda de todos para se encontrar com um menino, geralmente por trás da igreja, na praça da cidade, que nunca ficava com luz nos postes, pois sempre tinha um filho de Deus que quebrava as lâmpadas das praças, nem vou dizer a mando de quem.


Por outro lado, para os meninos também não era fácil. Imagino como deveria ser misterioso esses encontros. Ir à igreja era parte do ritual. Meninos e meninas eram muito devotos! Alguns homens dessa época, já me contaram o que pensavam, mas não sou "dedo duro", rs. 
 
À medida que envelheço, o passado e o presente se tornam mais nítidos. Percebo que as gerações não são tão diferentes, só respondem de maneira diferente a problemas diferentes.  Na verdade, cada geração só quer amar e ser amados. Cada uma a seu modo, tenta equilibra -se nessa corda bamba de emoções e descobertas. Nem melhor nem pior, apenas navega-se nesse imenso mar de incertezas...
 
Sexo? Não era nossa preocupação porque isso seria um passo muito adiante, primeiro as coisas primeiras. Quem sabe noutro texto.

E, à medida que envelheço, o mundo me é estranho e  familiar...





Nota da autora: Escrevo tendo como parâmetro cidades do interior do norte e nordeste.  Simpatia significa:  Supertições. Costumes antigos passado de geração a geração. 

Imagem do Google.