AMAZÔNIA III
AMAZÔNIA III
Nelson Marzullo Tangerini
Nossa segunda viagem à Amazônia foi feita de ônibus. E foi longa e cansativa.
Meu irmão, Nirton, e eu partimos em direção ao sul de Minas Gerais com o objetivo de ver, pela primeira e última vez, o belo Canal de São Simão, que ficava na divisa entre os Estados de Minas e Goiás.
Antes, localizamos no mapa o referido canal e traçamos o nosso roteiro de viagem.
Preparamos nossa bagagem para uma longa jornada, porque pretendíamos, depois, subir o Estado de Goiás e, de lá, seguir para Marabá, no sul da Amazônia paraense, viagem esta que, hoje, me faz lembrar, mal comparando, da façanha do militar, escritor, etnólogo e folclorista mineiro Couto de Magalhães.
José Vieira Couto de Magalhães, nascido em Diamantina, a 1 de novembro de 1898, foi político, militar, escritor, antropólogo e folclorista. Muito culto, Couto de Magalhães falava francês, inglês, alemão e línguas indígenas.
Durante o 2º Reinado, foi governador das Províncias de Goiás, Mato Grosso, Pará e São Paulo.
Quando foi proclamada a República, foi preso e enviado para o Rio de Janeiro, mas foi liberado em reconhecimento de sua enorme cultura e ações em prol do desbravamento dos sertões brasileiros, dos quais tinha profundo conhecimento.
Autor dos livros “Os guaianás”, obra dividida em duas partes: a primeira, chamada de Curso de língua tupi viva ou Nheengatu e, a segunda, intitulada “Origens, costumes e região selvagem”; “Revolta de Felipe dos Santos”, “Viagem ao Araguaia” e “Diário Íntimo”, Couto de Magalhães faleceu no Rio de Janeiro, a 14 de setembro de 1898.
Enfim, o culto e gentil Couto de Magalhães é um exemplo a ser seguido pelos militares de hoje, tão determinados a desmarcar reservas indígenas e a varrer as últimas tribos brasileiras e suas culturas do mapa.
Seus livros são raridades no mercado, mas o leitor interessado pode encontrar livros biográficos, de capa dura, sobre o escritor em alguns sebos ds grandes cidades.
Enfim, saímos da Rodoviária Novo Rio, no Rio de Janeiro num ônibus que nos levaria até Uberaba. De lá, teríamos de pegar um outro ônibus para Ituiutaba. E, de Ituiutaba, mais outro ônibus até a cidade de São Simão, divisa com o Estado de Goiás.
As cataratas do Rio São Simão seriam represadas para a construção de uma hidrelétrica, que acabaria com todo aquele espetáculo natural, uma miniatura das Catartas do Iguaçu, no sul do Brasil.
A ponte de ferro que unia os dois estados e, consequentemente duas regiões, Sudeste e Centro-oeste, e que dava um panorama belíssimo daquele rio, acabou ficando sob as águas da represa.
As pessoas que moravam em São Simão mudavam-se lentamente, e não muito resignadamente, de suas casas para a Nova São Simão, uma cidade projetada e sem aquele encantador cenário construído pela natureza durante milênios. Soube, por moradores, e não sei se isto é verdade, que pinturas rupestres feitas por povos muito primitivos da região ficaram sob as águas.
Meu irmão e eu ficamos hospedados na casa de um engenheiro que, ao ser questionado por nós sobre o fim do Canal de São Simão, disse-nos, friamente que “ou o homem contemplava a natureza ou não evoluía”.
As cataratas de São Simão eram de uma beleza inigualável e indescritível: havia uma fenda na rocha e suas águas caíam de todas as partes laterais, dos dois lados paredões, mineiro e goiano, enquanto araras, periquitos e outras aves sobrevoavam, cantavam e bailavam a região, em meio ao barulho das águas em choque com seu leito. Nas matas laterais, macacos pulavam de galho em galho.
Saímos de São Simão, entramos no Estado de Goiás e seguimos para Rio Verde, sabendo que não podíamos fazer nada para salvar aquela paisagem da extinção.
Restou-nos um último olhar, de dentro do ônibus, de cima daquela ponte de ferro, para o entristecido Canal de São Simão, que derramava suas lágrimas, diante de nós. Pela primeira vez, em minha vida, via um rio chorar, sabendo que se aproximava de sua morte inevitável.