AMAZÔNIA I

AMAZÔNIA I

Nelson Marzullo Tangerini

Os incêndios espalhados na Floresta Amazônica incendeiam em mim as lembranças de quando estive, com o biólogo Nirton Tangerini, meu irmão, na região norte do Brasil.

Portanto, devo lhes dizer que, além de regar samambaias, também vi de perto as belezas daquela imensa floresta.

A primeira vez que pisei em solo amazônico foi, creio, em 1975, ano em que fazia o 3º ano do antigo 2º grau e prestava vestibular para jornalismo. Era a minha primeira viagem de avião, e viajei sozinho do Rio para Manaus para encontrar-me com meu irmão, que já se encontrava na capital do Estado do Amazonas, onde pretendia morar e trabalhar como biólogo.

Quando viajei para o Amazonas, o avião fez escala em Brasília. Em Manaus, a aeronave descia sob uma forte chuva, a tradicional chuva amazonense, que serve como marcação do tempo para os manauaras, pois é comum as pessoas marcarem encontros para depois da chuva.

Em Manaus, visitamos o Teatro Municipal, que fora, em seu passado histórico, reformado por nosso avô paterno, o italiano Vittorio Tangerini, engenheiro florestal, restaurador e cantor de ópera, que também cantou no referido Teatro, no dia de sua reinauguração.

Visitamos o interior do Estado, estivemos em igarapés, vimos suas pobres e humildes populações ribeirinhas e suas palafitas.

De navio gaiola, Embarcação Rio Grande Norte, atravessamos o Rio Amazonas, em direção ao Pará, com parada na Ilha de Parintins. No meio do caminho, víamos o fenômeno das terras caídas: árvores que eram arrancadas de suas margens pelo Rio Solimões ou Amazonas. O condutor dos navios gaiolas deviam ser atentos, pois poderiam ir a pique, caso se chocassem com algum tronco boiando no rio. Foram três dias de viagem e, à noite, aumentava o nosso medo.

Em Santarém, no Pará, ficamos hospedados na casa de Tia Dica, uma figura lendária na história do artesanato paraense. Naquela cidade, pude ver de perto o encontro das águas azuis do Rio Tapajós com as águas barrentas do Rio Solimões. Mais abaixo, essas águas irão formar o Rio Amazonas.

De Santarém, viajamos de barco para Alter do Chão com amigos e eu pude ver , de perto, e maravilhado, a imensidão azul do Rio Tapajós. No meio dele, não podíamos ver suas margens, e a impressão que se tinha era de que navegávamos em um mar de água doce.

Certa vez, era final da tarde, navegando por um igarapé, pude assistir, maravilhado, ao retorno dos animais para seus lares, em árvores escondidas no meio da floresta. Eles se recolhiam felizes, barulhentos, como se contassem a amigos e familiares como foi seu dia de trabalho, um dia de exaustivo trabalho, pois levavam sementes para manter a floresta viva e em perfeita harmonia.

A beleza da Amazônia passava como um filme diante dos meus olhos, enquanto, em Xambioá, a ditadura eliminava definitivamente os guerrilheiros que ousaram enfrentá-la na região do Araguaia. E, só mais tarde, vim a saber que índios eram igualmente torturados e assassinados.

Um caso bastante conhecido foi o extermínio de índios Kreen Akrore, envenenados por madeireiros com bombons contendo arsênico. O episódio ganhou as manchetes internacionais e foi matéria de um encarte do jornal inglês The Sunday Times. O título da matéria era direto e objetivo: “Brazil, the land of the future where the future never comes”. Traduzindo: “Brasil, o país do futuro onde o futuro nunca chega”. A matéria denunciava, também, que pistoleiros, a mando de fazendeiros e madeireiros, matavam impunemente, padres, freiras, lideranças indígenas e líderes sindicais, todos considerados vermelhos. Ninguém foi preso; todos ficaram impunes. A revista mostrava, a seu público leitor, uma terra sem lei e sem futuro.

Soubemos de tudo isto, mas fazíamos ouvido de mercador. O Brasil estava mergulhado numa ditadura fascista. E não pretendíamos desaparecer naquelas terras tão distantes de nossa cidade, onde tínhamos a nossa família.

Diante dos meus olhos, via passar navios estrangeiros, notadamente americanos, com a proteção de poderosos - madeireiras, políticos corruptos e militares -, descendo o Rio Tapajós ou Amazonas. Levavam, acintosamente, com a bandeira americana tremulando, quando eram americanos, madeiras nobres da floresta, como o mogno. Quem ousasse fotografar ou denunciar tal crime, seria chamado de comunista. E, certamente, seria preso, torturado e morto.

Desde aquela época falava-se que os estrangeiros, com suas ideologias exóticas, estariam prontos para invadir e nos roubar a Amazônia, quando eles já estavam ali, levando madeiras nobres e animais silvestres, que seriam vendidos no exterior.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 31/08/2019
Reeditado em 31/08/2019
Código do texto: T6733569
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