Meus alunos são “massa”
Quando te provocarem afirmando que alunos do IFMA são ‘massa’ responda: sim sou massa, mas não como aquela que se manipula para moldar carneirinhos de presépios e outras peças artesanais. Sou massa porque pertenço a uma instituição que se avoluma cada vez que tentam destruir direitos coletivos; que cresce toda vez que tentam acabar com nossas garantias constitucionais e democráticas. Nessa hora, todos nós nos tornamos uma só voz, ocupamos espaços e enchemos as ruas. O que é isso senão uma massa humana unida pelos mesmos objetivos? Nesse caso, não apenas somos massa, como também temos massa. Massa cerebral capaz de perceber quando somos agredidos, quando somos atingidos pela lança cruel dos sistemas econômico e político que, às vezes, querem transformar nossos direitos em mercadorias, nossas garantias constitucionais em lucro. Quando te chamarem de massa de manobra diga: somos massa sim, mas, massa da resistência; massa petrificada que resiste ao ataque, que se faz trincheira contra a injustiça. Repita: somos massa, e mais do que isso, temos massa cerebral. É justamente esta que nos faz querer entender os problemas sociais para buscar uma solução. E você que nos acusa de ser massa de manobra talvez seja porque sua massa cerebral esteja adormecida e não perceba a navalha cortar a tua própria carne. Nós percebemos, e por isso nos orgulhamos em dizer: nós, alunos do IFMA, somos massa! Nós temos massa!
Quando disserem maldosamente que os alunos do IFMA matam aula, ao saírem às ruas na luta por direitos básicos, responda: nós não matamos aula. Na verdade, nós gostamos de “aulas vivas”! Aulas que unem as teorias da sala de aula à prática das ruas, a realidade em que vivemos e o sonho de felicidade. E todas as vezes que vamos às ruas estamos transformando a sala de aula em um mundo de sentido, em um corpo vivo, ou se quiserem que eu repita, transformando em uma aula viva.
Para entender essa transformação da sala de aula em um instrumento vivo vamos mostrar alguns exemplos, através de uma rápida análise morfológica: a frase, “somos contra os cortes na educação”, possui um verbo conjugado na 1ª pessoa do plural do modo indicativo do tempo presente (somos), uma preposição essencial (contra), um artigo definido no plural (os), outra preposição formada pela contração de em + a (na) e dois substantivos simples (cortes e educação). Se nos prendermos a uma simples análise morfológica, esta frase não passa de um mero objeto passivo sujeito a mecanicidade das técnicas gramaticais, ficando, dessa forma, refém da gramática morta. Porém, quando falamos essa frase nas ruas, percebemos que o verbo “somos” é mais que fonemas frios: é gente reunida; são pessoas juntas, entrelaçadas por uma causa coletiva. A preposição “contra”, falada nas ruas, é mais do que um elemento que antecede o substantivo. Contra é atitude, é capacidade de ter ideias próprias, é demarcação de posições filosóficas, pragmáticas, discursivas e sócio-políticas; contra é liberdade de expressão, garantida no artigo 5º da nossa constituição. Contra é autoestima, contra é autonomia de pensamento. Entenderam como uma preposição sai da gramática, do quadro, dos bicos de pincéis e das explicações técnicas do professor e vira um elemento vivo? Oxalá, poder fazer isso também com os pronomes, os verbos, as expressões numéricas, as fórmulas etc. Mas passemos agora para a análise do substantivo educação. Na rua, educação é mais que uma resposta seca a ser assinalada em uma questão de múltipla escolha. Educação é substantivo porque é uma substância essencial para a sociedade, ou seja, é algo sem a qual a sociedade morrerá. Já pensou se retirassem o sangue das nossas veias? E se retirarem a educação da sociedade? Eis o verdadeiro sentido de substantivo: é aquilo que faz ser o que é. Quando saio da sala de aula, busco defender essa substância que a sociedade precisa.
Sobre o substantivo cortes, quando analisado friamente entre as quatro paredes da sala de aula, pode servir apenas para aumentar o meu vocabulário. Mas quando analisado nas ruas, percebemos que os cortes matam, pois não se trata de um corte qualquer, são cortes no substantivo educação, na parte essencial da sociedade.
Já imaginou se nós apenas aprendêssemos o conceito de células na escola, sem irmos às ruas lutar por aquilo que faz nossas células viverem? Por exemplo, a água e o alimento? Assim, concordo, seria “matar a aula” que o professor de biologia se esforçou tanto em prepará-la. Já imaginou se na aula de ciências nos conformássemos com a simples informação de que a água é H2O, mas nos calássemos com a falta de água da nossa rua ou bairro? Desse modo, estaria matando uma aula importante preparado com esforço pelo seu professor. Então, é hora de explicarmos às más línguas como se mata uma aula. Matamo-la, quando trancamos o conhecimento nas linhas dos cadernos ou livros sem levá-los para o espaço público. De nada adiantaria aprender sobre os pontos cardeais em uma aula de geografia sem localizar nas ruas os problemas que nos afetam, isso sim seria matar uma aula de geografia.
As leis da química e da física são mais do que formas congeladas. Elas são realidades vivas, presentes na transpiração do seu colega de aula que caminha lado a lado contigo, nos movimentos retilíneos ou circulares dos vossos passos conjuntos em busca do bem. Não levar as leis da transpiração humana, do movimento e da força para as ruas te tornaria um “assassino da ciência”, do conhecimento produzido, das aulas dadas na escola.
Dessa forma, vamos compreendendo que precisamos não apenas estudar história, mas fazer história. História se faz nas ruas, analisando, vivendo. Como disse o filósofo: até agora pensamos sobre o mundo, e agora é hora de transformá-lo. Vocês não são, repito, massa de manobra, são massa humana pensante, solidária, que reconhece o papel importante da sala de aula como espaço fundamental de vida, mas entendem também que na sala de aula é o local para tomar o combustível, ou seja, o conhecimento. Mas, é nas ruas que vocês viram combustão a empurrar o estado e a sociedade para o bem, para o cumprimento das suas obrigações. Portanto, se tornem uma só massa, que transforma a caminhada em uma arte coletiva de viver. E é por essa razão que confio e admiro todos vocês meus alunos e alunas, eu acredito em cada um de vocês. Sei que são capazes de compreender que hoje a aula é na rua. Obrigado.