OS MAIS BELOS ÍNDIOS
Lembrei da letra de uma canção com Renato Russo quando vi o lendário cacique Raoni, desnudado do ostentoso pigmento de urucu e de jenipapo, na telinha. Ensacado num casaco caprichosamente ornado, tornava-se uma criatura exótica. Nem o cocar cingindo os cabelos lisos e gris e sequer o batoque - aquele tampo de madeira incrustado permanentemente no lábio inferior - faziam-no tão estranho, pois as pessoas se acostumaram a vê-lo com trajes típicos.
Esse mesmo índio, no decurso de quase nove décadas bem vividas no Xingu, deslocava-se mundo a fora proferindo um discurso inflamado em sua língua nativa. Umas vezes entendido, outras vezes sequer inteiramente ouvido ou traduzido. Muito menos pode se ter a certeza se os mais incomodados atentavam para o fato de sua gente não ser atacada por ser inocente, como ainda versa a letra da aludida canção.
O líder caiapó percorre países europeus em busca de apoio contra a destruição do habitat de vários povos indígenas, inclusive o seu. O clã de povos que ocupa o Xingu desde a pré-história brasileira, é atacado e destruído impiedosamente “mesmo sendo inocentes”.
Raoni Metuktire segue em peregrinação pela Europa num séquito formado por algumas personalidades de sua etnia mas, sobretudo, por figurões da política, da música e do cinema regionais, que talvez o vejam como um autóctone ingênuo, mas nem tanto belo (ou quem sabe até mais romântico do que registraram em suas literaturas José de Alencar e Gonçalves Dias, por exemplo).
Os brancos costumavam dar encantadores presentes desde os tempos do achamento do Brasil quando com as exóticas e belas criaturas se depararam, e eram pelos indígenas vistos como sofisticados, formosos e afáveis. Os europeus ainda o são, na mentalidade do líder do Xingu. A abastada população da mais rica região do mudo pode muito bem desembolsar milhões de euros para presentear o chefe caiapó, colaborando com a preservação da distante floresta brasileira.
Um dos fundadores do Parque do Xingu, o antropólogo Darci Ribeiro, além de estudioso dedicado, foi um ferrenho defensor da causa indigenista. Ao criticar o eurocentrismo, reconheceu que os índios não precisavam ser tutelados. “Os povos indígenas devem ser relegados a uma posição de emancipação, em que eles próprios possam administrar suas vidas sócio-culturais e econômicas.”
Curt Nimuendaju, indigenista do início do sec. XX, afirma que o indígena brasileiro entrou em decadência a partir do momento que foi abordado pela civilização. A beleza do índio que tanto encantou o europeu serviu para leva-lo à quase extinção. E o próprio brasileiro, de fora da taba, ainda se maravilha com a beleza e a ingenuidade dele.
Os últimos incidentes, protagonizados pelos incêndios nas florestas da região amazônica, deixam evidente que todos querem politizar as desgraças. Aproveitam-se de acidentes e da ingenuidade para projetarem-se politicamente, com malícia, no cenário global.
O investimento que a união europeia decide “ofertar” na prevenção dos incêndios não é um mero presente. E os belos índios não passam de alienígenas tutelados por uma instituição que os fazem inertes.
Raoni continua aguardando os milhões de euros. Enquanto isso, não só o Parque do Xingu, como o resto da floresta arde em chamas, milhões de metros cúbicos de madeira são retirados, de uma enorme quantidade de garimpos extraem-se ouro, diamante, bauxita etc. Uma quantidade não sabida de ONGs servem de intermediários para traficantes inescrupulosos que, como no período colonial, fazem com que essas riquezas tenham um endereço final na Europa, sobretudo.