Era dia de circo* (25/05/2019)
No lugarzinho que me viu nascer, até o menor acontecimento era motivo de agitação. Imagine, então, quando um circo resolvia aparecer por lá... A simples notícia já acendia um brilho nos olhos da população. Para mim, ainda criança, aquilo era mais do que um evento: era um convite ao extraordinário.
O "rei das selvas", era a atração mais aguardada pela criançada. Naqueles dias, a população de gatos da cidade diminuía drasticamente. Corria à boca miúda que os bichanos serviam de aperitivo para o leão, em troca de ingressos. Verdade ou não, isso só aumentava o mistério e a emoção do espetáculo.
Muitos anos se passaram até que voltei ao circo. Desta vez, com olhos de adulto. "Respeitável público!"...
Enquanto o apresentador anunciava as atrações, os palhaços apareceram no picadeiro. Onde estavam os cômicos homenzinhos que me faziam rir até as lágrimas?
Logo após, o mágico surgiu, acompanhado de sua assistente. Da cartola, tirou um coelho branco; depois, uma pomba; e, com um movimento rápido das mãos, transformou um lenço em uma bengala. O que antes era inusitado, agora parecia previsível, quase mecânico.
E que rufem os tambores!!! Tan, tan, tan, tan... Os trapezistas, quase deuses astronautas para meus olhos infantis, são apenas acrobatas bem treinados. Mesmo que os movimentos fossem ensaiados à exaustão, a ansiedade parecia ter se esvaído.
(...)
O espetáculo terminou, e eu me vi ali, misturado às crianças que saíam apressadas, de tudo achando graça. Porém, antes de ir embora, arrisquei um último olhar por cima do ombro. O circo, que um dia fora tão grandioso, parecia pequeno, desbotado.
Foi então que percebi que havia perdido a capacidade de sonhar. Talvez o o circo representasse na minha infância a fuga para um mundo onde tudo era possível. Naquele instante, olhando para o picadeiro vazio, fiz as pazes com meu passado e comigo mesmo.